segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Eu e o aquecimento global - II

Existe um conceito curioso em economia, que é o conceito de externalidade. Vou falar sobre externalidades negativas.

O indivíduo A vende um produto ao indivíduo B. O produto vale 10 moedas para A, e 20 moedas para B, e foi vendido a 15 moedas. A ganhou 5 moedas, B ganhou 5 moedas, estão todos felizes. Mas vamos supor que esta venda teve um impacto negativo para um terceiro indivíduo, deveria tal troca ser permitida? Depende.

Se o ganho de A e B fosse maior que o dano feito ao terceiro indivíduo, eles deveriam fazer a troca, pagando a este indivíduo o suficiente para lhe compensar os danos. Assim haveria ganhos sem perdas.
Se o ganho fosse menor, então A e B já não teriam vontade de fazer a troca, pois teriam sempre de pagar mais do que aquilo que poderiam ganhar.

Na prática as coisas não são tão bonitas, mas ainda assim posso dar um exemplo. A gasolina: para o condutor vale X, para o vendedor vale Y. Mas o escape do automóvel lança gases nefastos para o ambiente na cidade, prejudica a saúde, etc... A sociedade é prejudicada pelo facto do condutor queimar gasolina. Assim sendo, o estado cobra impostos mais altos na gasolina que nos outros produtos, beneficiando a sociedade prejudicada pelo fumo (pois tem mais meios de providenciar serviços do que aqueles que teria sem este imposto).
É por isto que o imposto sobre a gasolina é tão alto, e bem.

Mas notem: o imposto é cobrado em função daquilo que o estado português considera que a gasolina prejudica os portugueses. Aqui não está em jogo nada relacionado com o aquecimento global.


Vou deter-me sobre um ponto: eu disse que o imposto cobrado (devido à externalidade) deveria ser um valor correspondente a uma boa estimativa do dano causado. Se for um valor inferior, a sociedade é encorajada a fazer algumas trocas nos quais as perdas para a sociedade são maiores que os ganhos para os intervenientes. Se for um valor superior, a sociedade é encorajada a não fazer algumas trocas em que haveria ganhos e nenhumas perdas.

E quando há incerteza? Sabemos que existe 10% de probabilidade de causar 30 moedas de dano, e 90% de probabilidade de ser inócuo. Em primeira análise poderíamos dizer que o imposto mais adequado corresponderia ao "dano esperado", neste caso correspondente a 3 moedas. Mas é possível argumentar que o valor deveria ser superior, pois o "risco" também tem custos. Não vou tratar esta questão em pormenor, mas espero ter deixado claro que o valor associado ao imposto relativo à externalidade nunca deverá ser inferior ao "dano esperado".

Se a teoria "dominante" estiver certa, a emissão de certos gases causa danos consideráveis: em vidas humanas, em desestabilização, em perda de biodiversidade, mas também em termos puramente económicos. Causa-os não ao país em que eles foram emitidos, não a essa sociedade, mas a todo o mundo.
Como a probabilidade da teoria "dominante" estar certa não é 0%, podemos facilmente entender que o "dano esperado" da emissão de certos gases não é nulo.

Por isso, parece claro que a coisa acertada a fazer seria a criação de um pequeno imposto mundial que reflectisse este dano mundial esperado. Parece claro que a ausência deste imposto é uma asneira que leva a que emitamos mais do que deveríamos tendo em conta a informação de que dispomos.

O protocolo de Quioto foi uma espécie de tentativa de estabelecer algo do tipo. Os países aderiam voluntariamente, estabeleciam limites e multas, o que acabava por criar uma espécie de custo à emissão marginal destes gases, que acabava por reverter a favor dos mais pobres. Obviamente a adesão deveria ser universal, pois de outra forma quem ficasse de fora seria beneficiado às custas dos "tolos" que aderissem, mas ainda assim foi com gosto que vi a UE a dar o bom exemplo neste campo.

Obviamente, estando o protocolo delineado como estava, os custos da emissão estariam longe de reflectir o "dano esperado", mas era um primeiro passo. Fora do protocolo a externalidade devido ao "dano esperado" é nula. Não estou certo que o aquecimento global é causado pelo homem, mas estou certo que, perante a informação que temos, ficar fora de Quioto é mau para o mundo.