Na sua
entrevista à Atlântico, Cavaco Silva define o seu programa da forma seguinte:
- «Eu defini seis grandes ambições. A melhoria da qualidade da nossa democracia, onde incluo também o funcionamento do sistema de justiça, a administração pública, as forças de segurança e até uma comunicação social livre, autónoma, responsável, e uma sociedade civil também autónoma e também com uma cultura ética. Depois, uma segunda ambição que consiste em reencontrar o caminho de aproximação ao nível de desenvolvimento médio da UE e da Espanha. Uma terceira, que é o aumento da qualificação dos recursos humanos, um problema que na minha opinião justifica uma mobilização quase geral dos órgãos de soberania, incluindo o Presidente da República, para tentar corrigir uma situação que é grave. Uma outra que implica a correcção do desordenamento do território, o desenvolvimento cultural, a melhoria da qualidade ambiental. As restantes são a construção de uma sociedade mais justa e mais solidária e tornar Portugal um protagonista activo e credível na cena internacional.»
Tudo isto é tão vago que poderia ser subscrito por qualquer um dos outros candidatos, incluindo Manuela Magno e até Jerónimo de Sousa. O problema está naquilo que se vai compreendendo, no resto da entrevista, sobre o modo de actuar que Cavaco se imagina.
«Ninguém pense que sem confiança o investimento vai ser feito, ou que os empregos vão ser criados, ou que sem confiança os capitais ficam aqui, ou que os talentos são suficientemente bem aproveitados. Eu acho que o Presidente da República pode desempenhar aqui um papel como factor de confiança e factor de credibilidade.»
Em primeiro lugar há isto: a ideia de que basta Cavaco ser Presidente para a «confiança» por ele irradiada gerar crescimento económico. Se algum político de esquerda dissesse que a mera «confiança» que a sua pessoa supostamente transmite é suficiente para atrair investimento ou criar emprego (já agora, para deter as marés...), seria ridicularizado, sem piedade mas merecidamente, pelos «liberais» da blogo-esfera e arredores. Sendo Cavaco o candidato mais à direita, terá que ser a esquerda a explicar o óbvio: que não basta uma pessoa ter confiança em si própria para os outros terem confiança nela, e que nenhum dos poderes do Presidente lhe permite, directamente, criar emprego ou impedir a fuga de capitais. Mas o que me deixa apreensivo são coisas destas:
«Acho, por experiência própria, que as reuniões entre o Presidente da República e o primeiro-ministro têm uma grande importância. E se o Presidente da República estiver bem preparado então estou certo de que o primeiro-ministro chegará lá também bem preparado, para tratar das matérias em profundidade.»
Traduzindo: o Presidente Cavaco entenderá as reuniões com o Primeiro Ministro como um exame universitário em que ele será o Professor e Sócrates o aluno? É que juntando isto com a célebre defesa de que «os mesmos dados levam às mesmas conclusões» (que só estaria certa se a política fosse a Física ou a Biologia), fica-se com a suspeita de que Cavaco ambiciona governar a partir de Belém por interposto Primeiro Ministro. O que promete sarilhos (conflitos e instabilidade)...
O Presidente tem poderes que são essencialmente «negativos»: vetar leis, demitir o Governo, dissolver a Assembleia da República, etc.; tem poderes propositivos praticamente nulos: enviar mensagens à Assembleia da República, organizar colóquios... Como poderia Cavaco relançar a economia e o emprego (e é isso que ele promete) com estes poderes?