sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Os sarilhos que Cavaco promete

Na sua entrevista à Atlântico, Cavaco Silva define o seu programa da forma seguinte:

  • «Eu defini seis grandes ambições. A melhoria da qualidade da nossa democracia, onde incluo também o funcionamento do sistema de justiça, a administração pública, as forças de segurança e até uma comunicação social livre, autónoma, responsável, e uma sociedade civil também autónoma e também com uma cultura ética. Depois, uma segunda ambição que consiste em reencontrar o caminho de aproximação ao nível de desenvolvimento médio da UE e da Espanha. Uma terceira, que é o aumento da qualificação dos recursos humanos, um problema que na minha opinião justifica uma mobilização quase geral dos órgãos de soberania, incluindo o Presidente da República, para tentar corrigir uma situação que é grave. Uma outra que implica a correcção do desordenamento do território, o desenvolvimento cultural, a melhoria da qualidade ambiental. As restantes são a construção de uma sociedade mais justa e mais solidária e tornar Portugal um protagonista activo e credível na cena internacional.»

Tudo isto é tão vago que poderia ser subscrito por qualquer um dos outros candidatos, incluindo Manuela Magno e até Jerónimo de Sousa. O problema está naquilo que se vai compreendendo, no resto da entrevista, sobre o modo de actuar que Cavaco se imagina.

  • «Ninguém pense que sem confiança o investimento vai ser feito, ou que os empregos vão ser criados, ou que sem confiança os capitais ficam aqui, ou que os talentos são suficientemente bem aproveitados. Eu acho que o Presidente da República pode desempenhar aqui um papel como factor de confiança e factor de credibilidade

Em primeiro lugar há isto: a ideia de que basta Cavaco ser Presidente para a «confiança» por ele irradiada gerar crescimento económico. Se algum político de esquerda dissesse que a mera «confiança» que a sua pessoa supostamente transmite é suficiente para atrair investimento ou criar emprego (já agora, para deter as marés...), seria ridicularizado, sem piedade mas merecidamente, pelos «liberais» da blogo-esfera e arredores. Sendo Cavaco o candidato mais à direita, terá que ser a esquerda a explicar o óbvio: que não basta uma pessoa ter confiança em si própria para os outros terem confiança nela, e que nenhum dos poderes do Presidente lhe permite, directamente, criar emprego ou impedir a fuga de capitais. Mas o que me deixa apreensivo são coisas destas:

  • «Acho, por experiência própria, que as reuniões entre o Presidente da República e o primeiro-ministro têm uma grande importância. E se o Presidente da República estiver bem preparado então estou certo de que o primeiro-ministro chegará lá também bem preparado, para tratar das matérias em profundidade

Traduzindo: o Presidente Cavaco entenderá as reuniões com o Primeiro Ministro como um exame universitário em que ele será o Professor e Sócrates o aluno? É que juntando isto com a célebre defesa de que «os mesmos dados levam às mesmas conclusões» (que só estaria certa se a política fosse a Física ou a Biologia), fica-se com a suspeita de que Cavaco ambiciona governar a partir de Belém por interposto Primeiro Ministro. O que promete sarilhos (conflitos e instabilidade)...

O Presidente tem poderes que são essencialmente «negativos»: vetar leis, demitir o Governo, dissolver a Assembleia da República, etc.; tem poderes propositivos praticamente nulos: enviar mensagens à Assembleia da República, organizar colóquios... Como poderia Cavaco relançar a economia e o emprego (e é isso que ele promete) com estes poderes?

4 comentários :

Anónimo disse...

Relativamente ao último ponto, Cavaco disse "Acho por experiência própria....". Isto significa que a experiência que teve foi com Soares. Significa também que Soares estava mal preparado (todos sabem que estudar dossiers não é o seu forte), daí não poder fazer nenhum exame a Cavaco. Em conclusão, para mim Cavaco quer dizer simplesmente que vai estudar os dossiers e que Sócrates terá de saber explicar bem as suas políticas. Caso contrário para que servem as reuniões de 5ª Feira? Para tomar chá?

Quanto ao segundo ponto, o que escreveu relativamente a Cavaco, aplica-se a Soares. Na certeza porém que um investidor tem mais "confiança" em Cavaco do que em Soares. Por alguma razão a maioria dos investidores apoiam Cavaco, segundo as acusações de Louçã.

Quanto às seis ambições de Cavaco serem vagas, é uma questão de opinião. No entanto há ali qualquer coisa. Quanto a Soares, este não tem nada a dizer, não tem ambição, não tem pensamento ou convergência estratégica, enfim não tem nada. Será isto melhor do que ter seis ambições por mais vagas que alguns adversários possam achar? Aliás, no debate Cavaco-Soares, digam-me uma única ideia que Soares defendeu para Portugal? Há alguma coisa mais vaga do que "magistratura de influência" ou "garante da estabilidade"?

Não falo de Alegre porque não conta. Por mais simpatia que possa gerar, mesmo entre o povo da direita, o poeta não conta para este campeonato. Tudo se resume a uma só pergunta: "Será que Soares consegue forçar uma segunda volta?".

Anónimo disse...

Neste momento a direita rejubila com a possibilidade de Cavaco ser eleito.

Não é certa a desgraça, mas o PSD será o partido mais prejudicado com a domesticação que o professor de Boliqueime há-de tentar impor-lhe.

O bom funcionamento do regime está já ameaçado com os cavaquistas que apenas esperam a desforra de antigos ressentimentos contra a esquerda.

Anónimo disse...

Diz o Carlos Esperança que os cavaquistas apenas esperam a desforra de antigos ressentimentos contra a esquerda. Segundo esta lógica de pensamento, também se pode dizer que a esquerda considera a presidência como uma cotada sua e como tal, nem em sonhos admite a tão propalada alternância democrática. A presidência não é cotada de ninguém, assim como Portugal e a democracia não são propriedade de Soares.

Anónimo disse...

Para se perceber bem o embuste Cavaquista, bastará comparar com o que disse, escreveu e comiciou na Campanha contra Sampaio. Aí já dizia mal da concorrência e a intendência era outra... (Ver alguns textos em www.bemhaja.com)