O pós-modernismo parte da pertinente observação de que as instituições científicas não estão apenas sujeitas aos processos que as aproximam sucessivamente de uma compreensão adequada da realidade. Também estão sujeitas a um conjunto de dinâmicas sociais que podem interferir nos discursos e conclusões que retiram, pelo menos no curto/médio prazo.
Onde o pós-modernismo se torna absurdo é na forma como leva esta ideia ao extremo e desacredita todo o conhecimento. Assume portanto que as instituições científicas produzem "narrativas" que não mais reflectem do que as relações de poder e as forças sociais dominantes, e que isto ocorre não apenas nas ciências sociais mas também nas ciências naturais.
Tornou-se célebre a sátira de Sokal de acordo com a qual a Constante de Gravitação Universal e o o rácio Pi não eram mais do que "construções sociais", que foi publicada com algum alarido pela "Social Text".
O descrédito em que o pós-modernismo caiu foi, portanto, bem merecido. E relativamente saudável na medida em que as suas implicações até já começavam a extravasar o campo filosófico para entrar no campo científico e jornalístico. Ainda me lembro de ler alguns livros sobre jornalismo que falavam sobre recentes inovações científicas (Mecânica Quântica, teorema da incompletude de Godel, etc. ) para concluir que não podemos atingir a realidade objectiva, dizendo implicitamente que "nem vale a pena tentar". Na altura estas ideias peregrinas eram levadas a sério, enquanto que hoje seriam mais facilmente desacreditadas.
As Ciências Sociais em geral são um conjunto de campos do conhecimento que estão, à partida, particularmente sujeitos às dinâmicas sociais que podem dificultar a aproximação sucessiva a uma melhor compreensão da realidade. Não admira portanto que o pós-modernismo tenha nascido aí.
No entanto, o erro do pós-modernismo é o passo seguinte: é o implícito "então nem vale a pena tentar", seja nas ciências sociais, seja nas ciências naturais, e daí a tal anedótica publicação de que até o valor da Constante de Gravitação Universal era consequência das dinâmicas sociais.
Infelizmente ainda vejo entre os Cientistas Sociais muitos pós-modernistas. Gente que empola de tal forma as dificuldades de se ir aproximando da verdade, que acredita e afirma (de forma raramente explícita) que a tentativa é inútil ou perigosa. Supostamente, a tentativa de conhecer melhor a realidade (que é una) seria um atentado ao pluralismo e à diversidade essenciais nas Ciências Sociais.
Em Economia, há quem pense desta forma. Existe quem acredite que a economia é um conjunto de "narrativas" e que cabe aos pensadores promover aquela que consideram que promove valores sociais, políticos e humanos mais justos. Acreditam a sociedade humana é demasiado complexa para que exista "uma verdade", ou que existindo ela é completamente incognoscível para as nossas ferramentas. Por essa razão, acreditam que o pensamento dominante serve para impor um conjunto de valores não por via da discussão ideológica mas por via da "imposição ideológica", onde alegar que algo é verdadeiro serve para negar o debate político subjacente, exercendo uma hegemonia ideológica sobre a "heterodoxia".
Não só existe quem pense desta forma como, não por acaso, existe uma relação entre o pensamento ideológico e o pensamento epistemológico a este nível. Dito de outra forma, é muito mais provável que um economista "de esquerda" pense desta forma, que um economista de direita. E nem é uma perspectiva sem qualquer tipo de fundamento. Veja-se a situação descrita no vídeo abaixo:
No entanto, creio que além do erro epistemológico existe também um erro estratégico nesta abordagem.
O erro estratégico é o de ignorar que os ricos e poderosos têm recursos que lhes permitem uma capacidade de influenciar o debate público muito mais forte fora do meio académico do que dentro do meio académico. Um exemplo claro disto foi o que ocorreu em relação ao aquecimento global - apesar do alinhamento entre interesses industriais e financeiros para que a população duvidasse do impacto devastador das emissões de carbono e metano, e das tentativas muitíssimo bem financiadas de condicionar a discussão sobre esta matéria, quer no domínio académico, quer do domínio público - o acumular de investigação e debate académico levou a que a comunidade científica aumentasse o grau de confiança quanto às consequências da emissão destes gases, enquanto que o público (principalmente o norte-americano, principal alvo da propaganda) se tornasse cada vez mais dividido e incerto a este respeito. Tende a escolher a profissão académica o tipo de pessoas com o perfil que as torna menos susceptíveis a este tipo de manipulações por diversas razões, pelo seria expectável aquilo que se verificou: que fosse mais fácil distorcer o debate pela força do dinheiro fora do universo académico do que dentro.
Mas mais grave é o erro epistemológico pós-modernista. Lá porque é impossível atingir a verdade, não significa que não seja propósito dos académicos tentá-lo, por todos os seus meios. É verdade que os seus pressupostos ideológicos podem criar enviesamentos? Claro que sim, mas por isso é que é fundamental que as ideias científicas sejam disciplinadas pelos dados, pelas observações, pelo debate intenso entre postos de vista díspares, mas todos eles procurando conhecer melhor a realidade.
Sim, é verdade que o próprio processo de recolha, classificação (e ainda mais análise) de dados não é neutro, e parte sempre de pressupostos implícitos. Mas deve fazer-se um esforço para levar isso em conta e tentar chegar cada vez mais longe.
A Economia mudou muitíssimo nos últimos anos, e desde meados do século XX que as observações empíricas têm um papel cada vez maior. A proporção de papers empíricos passou, nas últimas décadas, de menos de 10% para mais de 60% (ou 80%, dependendo do critério). As técnicas usadas para a análise de dados tornaram-se mais robustas e sofisticadas e continuam a evoluir rapidamente - sugiro que vejam mais sobre o assunto começando aqui - e graças a isso a economia costuma prever acertadamente (dentro de intervalos de confiança relativamente apertados) a evolução da produção, do desemprego, da inflação, etc. quando os prazos são reduzidos (um pouco como a meteorologia), aperfeiçoando estas capacidades de ano para ano (a forma como os Bancos Centrais se têm aproximado muitíssimo mais dos alvos que definem para a inflação mostra como a capacidade de antecipar o efeito das suas acções nos mercados financeiros se tem vindo a tornar cada vez mais precisa).
Os pressupostos e assumpções vão-se tornando mais completos: já existem enquadramentos para lidar com aspectos do comportamento humano tais como a inconsistência inter-temporal, custos de observação, limites à capacidade de processamento de informação, ou outras alternativas à teoria da escolha racional como a "prospect theory"; e já é cada vez mais comum o desvio face ao "agente representativo" para ter em conta diferentes formas de heterogeneidade, aos agregados familiares "dinásticos" explorando melhor outras formas de relação inter-geracional, etc. - e tudo isto cada vez melhor disciplinado pelos dados.
A Economia ainda falha de vez em quando nas suas previsões? Poucas décadas depois de Galileu a física ainda falhava em problemas de balística básicos perante uma ventania anormal. A questão não é se a Economia ainda falha de vez em quando, mas se com o continuar da procura de conhecer o mundo que nos rodeia pode falhar cada vez menos.
Um exemplo concreto daquilo a que me refiro: Piketty mostrou como nas últimas décadas a concentração de riqueza tem aumentado muitíssimo. Esta é uma ideia inconveniente para quem quer vender o actual sistema de distribuição de riqueza como sustentável e justo, portanto dir-se-ia que as ideias de Piketty seriam desacreditadas por uma economia que mais não é do que uma narrativa ao serviço dos ricos e poderosos.
Na verdade, os resultados de Piketty seriam, de acordo com a perspectiva pós-modernista, não mais do que uma "narrativa" cuja validade não adviria de ser verdadeira, mas sim de lutar contra as injustiças actuais. Mas se a realidade fosse esta, existiria alguém, igualmente credível a defender uma ideia oposta, mas com acesso a um "megafone" muito mais poderoso. Teríamos o universo académico a gritar que as desigualdades de riqueza e rendimento nos países ricos estão cada vez mais ténues, quando afinal é precisamente o contrário aquilo que acontece.
Até extremistas como Vítor Gaspar (que para mal de nós duvidou do pensamento económico dominante e acreditou na ideia da "austeridade expansionista" que nunca teve crédito académico) reconhecem que Piketty fundamentou adequadamente a sua afirmação de que as desigualdades têm aumentado muitíssimo nas últimas décadas.
E este é o caminho: não é negar a capacidade da economia para ir conhecendo cada vez melhor a realidade - é exigir que o faça. Não é negar todo o conhecimento que nos pode trazer, e o seu carácter científico, e acreditar na versão da realidade que nos dá mais jeito - é ter noção de que é uma ciência jovem e em mudança mas que já nos pode dizer muito sobre o mundo em que vivemos. Não é promover uma "narrativa" para com isso conseguir um mundo mais justo e fraterno - é procurar conhecer o mundo tal como ele é, para dar ferramentas a quem quer lutar por um mundo mais justo e fraterno baseadas na realidade e não em ilusões.
Termino este texto pela razão que obviamente me motivou a escrevê-lo, o comentário à citação de Varoufakis feita pelo Ricardo Alves.
Tenho alguma simpatia pela figura do Varoufakis, mesmo que reconheça uma grande ignorância em relação a tudo o que ocorreu na Grécia naquele período tão conturbado, e mesmo que por vezes não me reveja de todo nalgumas das declarações que ele faz. Este é um desses casos.
Vejamos:
-"Não houve progresso na economia": isto é tão falso que só posso concluir que Varoufakis não está a par dos profundíssimos progressos que existiram. Na verdade, nem vale a pena comentar tudo o que antecede esta frase, por essa mesma razão. A economia de que Varoufakis fala deve ter muito pouco a ver com a economia actual.
-"não há crise ou recessão que tenha sido correctamente prevista pelos economistas, e nunca vai haver": sou capaz de concordar que não vai haver. Vejamos: se a sociedade tem interesse em evitar uma enorme crise ou recessão, e a economia dá-lhe as ferramentas para o fazer se as antecipar; então mesmo que "a economia" fosse capaz de antecipar uma percentagem muitíssimo alta das crises ou recessões, ela verificaria que 100% das crises e recessões sofridas não tinham sido previstas. Isto é um pouco como dizer que um colete à prova de balas não presta porque falhou em salvar a vida de 100% dos polícias que morreram no exercício das suas funções, e nunca irá salvar polícias nestas circunstâncias. Ora batatas!
Nesse sentido, esta afirmação de Varoufakis parece-me particularmente infeliz.
Onde o pós-modernismo se torna absurdo é na forma como leva esta ideia ao extremo e desacredita todo o conhecimento. Assume portanto que as instituições científicas produzem "narrativas" que não mais reflectem do que as relações de poder e as forças sociais dominantes, e que isto ocorre não apenas nas ciências sociais mas também nas ciências naturais.
Tornou-se célebre a sátira de Sokal de acordo com a qual a Constante de Gravitação Universal e o o rácio Pi não eram mais do que "construções sociais", que foi publicada com algum alarido pela "Social Text".
O descrédito em que o pós-modernismo caiu foi, portanto, bem merecido. E relativamente saudável na medida em que as suas implicações até já começavam a extravasar o campo filosófico para entrar no campo científico e jornalístico. Ainda me lembro de ler alguns livros sobre jornalismo que falavam sobre recentes inovações científicas (Mecânica Quântica, teorema da incompletude de Godel, etc. ) para concluir que não podemos atingir a realidade objectiva, dizendo implicitamente que "nem vale a pena tentar". Na altura estas ideias peregrinas eram levadas a sério, enquanto que hoje seriam mais facilmente desacreditadas.
As Ciências Sociais em geral são um conjunto de campos do conhecimento que estão, à partida, particularmente sujeitos às dinâmicas sociais que podem dificultar a aproximação sucessiva a uma melhor compreensão da realidade. Não admira portanto que o pós-modernismo tenha nascido aí.
No entanto, o erro do pós-modernismo é o passo seguinte: é o implícito "então nem vale a pena tentar", seja nas ciências sociais, seja nas ciências naturais, e daí a tal anedótica publicação de que até o valor da Constante de Gravitação Universal era consequência das dinâmicas sociais.
Infelizmente ainda vejo entre os Cientistas Sociais muitos pós-modernistas. Gente que empola de tal forma as dificuldades de se ir aproximando da verdade, que acredita e afirma (de forma raramente explícita) que a tentativa é inútil ou perigosa. Supostamente, a tentativa de conhecer melhor a realidade (que é una) seria um atentado ao pluralismo e à diversidade essenciais nas Ciências Sociais.
Em Economia, há quem pense desta forma. Existe quem acredite que a economia é um conjunto de "narrativas" e que cabe aos pensadores promover aquela que consideram que promove valores sociais, políticos e humanos mais justos. Acreditam a sociedade humana é demasiado complexa para que exista "uma verdade", ou que existindo ela é completamente incognoscível para as nossas ferramentas. Por essa razão, acreditam que o pensamento dominante serve para impor um conjunto de valores não por via da discussão ideológica mas por via da "imposição ideológica", onde alegar que algo é verdadeiro serve para negar o debate político subjacente, exercendo uma hegemonia ideológica sobre a "heterodoxia".
Não só existe quem pense desta forma como, não por acaso, existe uma relação entre o pensamento ideológico e o pensamento epistemológico a este nível. Dito de outra forma, é muito mais provável que um economista "de esquerda" pense desta forma, que um economista de direita. E nem é uma perspectiva sem qualquer tipo de fundamento. Veja-se a situação descrita no vídeo abaixo:
No entanto, creio que além do erro epistemológico existe também um erro estratégico nesta abordagem.
O erro estratégico é o de ignorar que os ricos e poderosos têm recursos que lhes permitem uma capacidade de influenciar o debate público muito mais forte fora do meio académico do que dentro do meio académico. Um exemplo claro disto foi o que ocorreu em relação ao aquecimento global - apesar do alinhamento entre interesses industriais e financeiros para que a população duvidasse do impacto devastador das emissões de carbono e metano, e das tentativas muitíssimo bem financiadas de condicionar a discussão sobre esta matéria, quer no domínio académico, quer do domínio público - o acumular de investigação e debate académico levou a que a comunidade científica aumentasse o grau de confiança quanto às consequências da emissão destes gases, enquanto que o público (principalmente o norte-americano, principal alvo da propaganda) se tornasse cada vez mais dividido e incerto a este respeito. Tende a escolher a profissão académica o tipo de pessoas com o perfil que as torna menos susceptíveis a este tipo de manipulações por diversas razões, pelo seria expectável aquilo que se verificou: que fosse mais fácil distorcer o debate pela força do dinheiro fora do universo académico do que dentro.
Mas mais grave é o erro epistemológico pós-modernista. Lá porque é impossível atingir a verdade, não significa que não seja propósito dos académicos tentá-lo, por todos os seus meios. É verdade que os seus pressupostos ideológicos podem criar enviesamentos? Claro que sim, mas por isso é que é fundamental que as ideias científicas sejam disciplinadas pelos dados, pelas observações, pelo debate intenso entre postos de vista díspares, mas todos eles procurando conhecer melhor a realidade.
Sim, é verdade que o próprio processo de recolha, classificação (e ainda mais análise) de dados não é neutro, e parte sempre de pressupostos implícitos. Mas deve fazer-se um esforço para levar isso em conta e tentar chegar cada vez mais longe.
A Economia mudou muitíssimo nos últimos anos, e desde meados do século XX que as observações empíricas têm um papel cada vez maior. A proporção de papers empíricos passou, nas últimas décadas, de menos de 10% para mais de 60% (ou 80%, dependendo do critério). As técnicas usadas para a análise de dados tornaram-se mais robustas e sofisticadas e continuam a evoluir rapidamente - sugiro que vejam mais sobre o assunto começando aqui - e graças a isso a economia costuma prever acertadamente (dentro de intervalos de confiança relativamente apertados) a evolução da produção, do desemprego, da inflação, etc. quando os prazos são reduzidos (um pouco como a meteorologia), aperfeiçoando estas capacidades de ano para ano (a forma como os Bancos Centrais se têm aproximado muitíssimo mais dos alvos que definem para a inflação mostra como a capacidade de antecipar o efeito das suas acções nos mercados financeiros se tem vindo a tornar cada vez mais precisa).
Os pressupostos e assumpções vão-se tornando mais completos: já existem enquadramentos para lidar com aspectos do comportamento humano tais como a inconsistência inter-temporal, custos de observação, limites à capacidade de processamento de informação, ou outras alternativas à teoria da escolha racional como a "prospect theory"; e já é cada vez mais comum o desvio face ao "agente representativo" para ter em conta diferentes formas de heterogeneidade, aos agregados familiares "dinásticos" explorando melhor outras formas de relação inter-geracional, etc. - e tudo isto cada vez melhor disciplinado pelos dados.
A Economia ainda falha de vez em quando nas suas previsões? Poucas décadas depois de Galileu a física ainda falhava em problemas de balística básicos perante uma ventania anormal. A questão não é se a Economia ainda falha de vez em quando, mas se com o continuar da procura de conhecer o mundo que nos rodeia pode falhar cada vez menos.
Um exemplo concreto daquilo a que me refiro: Piketty mostrou como nas últimas décadas a concentração de riqueza tem aumentado muitíssimo. Esta é uma ideia inconveniente para quem quer vender o actual sistema de distribuição de riqueza como sustentável e justo, portanto dir-se-ia que as ideias de Piketty seriam desacreditadas por uma economia que mais não é do que uma narrativa ao serviço dos ricos e poderosos.
Na verdade, os resultados de Piketty seriam, de acordo com a perspectiva pós-modernista, não mais do que uma "narrativa" cuja validade não adviria de ser verdadeira, mas sim de lutar contra as injustiças actuais. Mas se a realidade fosse esta, existiria alguém, igualmente credível a defender uma ideia oposta, mas com acesso a um "megafone" muito mais poderoso. Teríamos o universo académico a gritar que as desigualdades de riqueza e rendimento nos países ricos estão cada vez mais ténues, quando afinal é precisamente o contrário aquilo que acontece.
Até extremistas como Vítor Gaspar (que para mal de nós duvidou do pensamento económico dominante e acreditou na ideia da "austeridade expansionista" que nunca teve crédito académico) reconhecem que Piketty fundamentou adequadamente a sua afirmação de que as desigualdades têm aumentado muitíssimo nas últimas décadas.
E este é o caminho: não é negar a capacidade da economia para ir conhecendo cada vez melhor a realidade - é exigir que o faça. Não é negar todo o conhecimento que nos pode trazer, e o seu carácter científico, e acreditar na versão da realidade que nos dá mais jeito - é ter noção de que é uma ciência jovem e em mudança mas que já nos pode dizer muito sobre o mundo em que vivemos. Não é promover uma "narrativa" para com isso conseguir um mundo mais justo e fraterno - é procurar conhecer o mundo tal como ele é, para dar ferramentas a quem quer lutar por um mundo mais justo e fraterno baseadas na realidade e não em ilusões.
Termino este texto pela razão que obviamente me motivou a escrevê-lo, o comentário à citação de Varoufakis feita pelo Ricardo Alves.
Tenho alguma simpatia pela figura do Varoufakis, mesmo que reconheça uma grande ignorância em relação a tudo o que ocorreu na Grécia naquele período tão conturbado, e mesmo que por vezes não me reveja de todo nalgumas das declarações que ele faz. Este é um desses casos.
Vejamos:
-"Não houve progresso na economia": isto é tão falso que só posso concluir que Varoufakis não está a par dos profundíssimos progressos que existiram. Na verdade, nem vale a pena comentar tudo o que antecede esta frase, por essa mesma razão. A economia de que Varoufakis fala deve ter muito pouco a ver com a economia actual.
-"não há crise ou recessão que tenha sido correctamente prevista pelos economistas, e nunca vai haver": sou capaz de concordar que não vai haver. Vejamos: se a sociedade tem interesse em evitar uma enorme crise ou recessão, e a economia dá-lhe as ferramentas para o fazer se as antecipar; então mesmo que "a economia" fosse capaz de antecipar uma percentagem muitíssimo alta das crises ou recessões, ela verificaria que 100% das crises e recessões sofridas não tinham sido previstas. Isto é um pouco como dizer que um colete à prova de balas não presta porque falhou em salvar a vida de 100% dos polícias que morreram no exercício das suas funções, e nunca irá salvar polícias nestas circunstâncias. Ora batatas!
Nesse sentido, esta afirmação de Varoufakis parece-me particularmente infeliz.
4 comentários :
João Vasco,
as minhas objeções a considerar a economia uma ciência não têm nada a ver com modernismo.
1. Eu acho que a economia pode produzir conhecimento - como a topografia, aliás.
2. O que eu acho é que a economia não tem nem objectividade nem falseabilidade nem capacidade de previsão para ser uma ciência.
As razões que dás para dizer que a economia não tem objectividade nem falseabilidade são as mesmas que os pós-modernistas mais extremos apresentam face à ciência em geral. É por isso que se aplica tudo o que escrevi no texto.
Quanto à capacidade de previsão, estás simplesmente enganado.
Um exemplo imediato: todos os anos os bancos centrais fazem previsões para o PIB no ano seguinte (ou para daí a dois anos, etc.), com um intervalo de confiança associado. Os resultados correspondem ao previsto (ou seja, estão fora de um intervalo de confiança a 95% cerca de 5% das vezes, com expectável).
Os exemplos são inúmeros, mas podemos começar por este.
João Vasco,
os pós-modernistas estão errados quando dizem que a física ou a biologia não são objectivas ou falseáveis. E estão certos se o disserem da economia.
Quanto à previsibilidade, não chega prever o PIB. Seria necessária a capacidade de prever crises.
«Quanto à previsibilidade, não chega prever o PIB. Seria necessária a capacidade de prever crises.»
Isso é como dizer que a geologia não é ciência porque não prevê sismos.
Pior, é dizer que não é uma ciência porque não tem capacidade de previsão. Quando te mostram que tem, escolhes arbitrariamente os "sismos" para alegar que não.
«os pós-modernistas estão errados quando dizem que a física ou a biologia não são objectivas ou falseáveis. E estão certos se o disserem da economia.»
Ok, então tu és pós-modernista. Só não és um pós-modernista dos mais extremistas, mas és um pós-modernista. É surpreendente ver-te desse lado da barricada, mas isso em si não é argumento contra o que dizes.
O problema é que não sabes muito do que falas quando dizes que a economia não é falseável. Eu já vi muitas ideias em economia serem "falsificadas" (no sentido Popperiano do termo) pelos dados.
Na verdade, há inúmeros campos da economia que têm uma rica história nesse sentido, principalmente na área da microeconomia: economia da educação, economia da saúde, economia industrial, e por aí fora.
Na macroeconomia um modelo muito célebre que já foi "falsificado" chama-se CAPM. Na verdade eu ia agora escrever mais uns dez exemplos (sem exagero), mas não se justifica.
As próprias pedras basilares da "teoria do consumidor" já foram falsificadas por Kahneman com a sua "prospect theory".
Neste momento, ao contrário do que acontecia há algumas décadas, muito mais de metade da literatura é empírica, e a quantidade de ideias que já foram "falsificadas" é significativa.
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