Após cinco dias de silêncio, Jean-Luc Mélenchon falou finalmente sexta-feira sobre a segunda volta da eleição presidencial. Mas falou para dizer muito pouco: que vai votar, mas que não dirá o que vai votar; e pior ainda, que não diz como vota para evitar divisões no seu movimento.
Estamos portanto no momento histórico em que o candidato de esquerda mais votado na primeira volta da eleição presidencial francesa não assume que votará na «finança extrema» contra a «extrema-direita» (palavras dele). Como explicar? Compreende-se a amargura de ter sido eliminado por pouco, mas as suas referências políticas podem ter mudado. A prova circunstancial da mudança fica na figura seguinte: no momento em que escrevo, o conjunto das sondagens indicam que o eleitorado de Mélenchon é muitíssimo mais permeável a Le Pen do que o de Hamon, com as percentagens dos seus votantes que pretendem votar Le Pen bem mais perto dos resultados no eleitorado de Fillon. Numa lógica de oposição esquerda-direita, isto não faz sentido. Mas faz sentido num contexto em que o referencial unidimensional esquerda-direita se cruza com o eixo nacionalismo-europeísmo.
Aliás, e como tem sido sublinhado, os dois candidatos que passaram à segunda volta da eleição presidencial francesa representam uma clivagem que não é a (tradicional mas não defunta) entre esquerda e direita: Macron representa um europeísmo neoliberal e Le Pen o nacionalismo autoritário. Os candidatos do centro-esquerda e do centro-direita, relativamente moderados em qualquer dos eixos acima referidos, foram eliminados. A polarização na segunda volta é portanto (para uma maioria de eleitores?) entre nacionalismo e europeísmo, e estará aí a explicação para o eleitorado anti-sistema de Mélenchon incluir um sector que, em termos tradicionais, passará da extrema-esquerda à extrema-direita em duas semanas. E daí a ambiguidade de Mélenchon, todavia irresponsável e perigosíssima.
O novo referencial político bidimensional tem um enorme problema: dificilmente se imagina uma alternância entre europeístas e nacionalistas semelhante à que existiu até agora entre (centro-)esquerda e (centro-)direita - a permanência na União Europeia é binária, não é tão fluida como negociar mais estado social ou mais liberalismo económico. E portanto um voto Le Pen terá consequências irreversíveis, piores do que a Brexit, também porque esta polarização enfraquece o «cordão sanitário» ou «pacto republicano» que impedia a Frente Nacional de aceder ao poder. O que se nota ao contrastar o ambiente desta semana em França com o de 2002, quando ninguém à esquerda da Frente Nacional hesitou: era necessário votar «no escroque contra o fascista», e houve até gigantescas manifestações de rua unitárias. Quinze anos depois, não apenas há movimentos e personalidades da direita não FN que apelam ao voto em Marine Le Pen, como a esquerda perdeu uma semana com os pruridos de Mélenchon. O resultado lógico é que enquanto Jean-Marie Le Pen adicionou um magro ponto percentual na segunda volta ao seu resultado da primeira volta, este ano Marine Le Pen espera ter na segunda volta aproximadamente o dobro do resultado percentual da primeira volta. E todavia, Macron é mais centrista em questões económicas do que Chirac era no seu tempo, e é até um progressista em questões de direitos individuais. O que reforça a conclusão de que para Mélenchon e o seu movimento, a oposição principal talvez já não seja esquerda-direita nem democracia-fascismo, mas sim nacionalismo-Europa ou «povo-elites».
Pessoalmente, tenho dificuldade em situar-me num eixo que joga com adesões emocionais a identidades colectivas (como «Portugal» ou «Europa»). Prefiro aderir racionalmente. Também por isso, choca-me bastante quem acha preferível partir tudo para que algo mude, sem perceber a segunda lei da Termodinâmica. Entre a xenofobia autoritária de Le Pen e o liberalismo democrático de Macron, não há que hesitar. Só o segundo garante que a democracia e a União Europeia não terminam aqui. E quer queiramos quer não, o mundo das fronteiras fechadas e do protecionismo não volta.
Estamos portanto no momento histórico em que o candidato de esquerda mais votado na primeira volta da eleição presidencial francesa não assume que votará na «finança extrema» contra a «extrema-direita» (palavras dele). Como explicar? Compreende-se a amargura de ter sido eliminado por pouco, mas as suas referências políticas podem ter mudado. A prova circunstancial da mudança fica na figura seguinte: no momento em que escrevo, o conjunto das sondagens indicam que o eleitorado de Mélenchon é muitíssimo mais permeável a Le Pen do que o de Hamon, com as percentagens dos seus votantes que pretendem votar Le Pen bem mais perto dos resultados no eleitorado de Fillon. Numa lógica de oposição esquerda-direita, isto não faz sentido. Mas faz sentido num contexto em que o referencial unidimensional esquerda-direita se cruza com o eixo nacionalismo-europeísmo.
Aliás, e como tem sido sublinhado, os dois candidatos que passaram à segunda volta da eleição presidencial francesa representam uma clivagem que não é a (tradicional mas não defunta) entre esquerda e direita: Macron representa um europeísmo neoliberal e Le Pen o nacionalismo autoritário. Os candidatos do centro-esquerda e do centro-direita, relativamente moderados em qualquer dos eixos acima referidos, foram eliminados. A polarização na segunda volta é portanto (para uma maioria de eleitores?) entre nacionalismo e europeísmo, e estará aí a explicação para o eleitorado anti-sistema de Mélenchon incluir um sector que, em termos tradicionais, passará da extrema-esquerda à extrema-direita em duas semanas. E daí a ambiguidade de Mélenchon, todavia irresponsável e perigosíssima.
O novo referencial político bidimensional tem um enorme problema: dificilmente se imagina uma alternância entre europeístas e nacionalistas semelhante à que existiu até agora entre (centro-)esquerda e (centro-)direita - a permanência na União Europeia é binária, não é tão fluida como negociar mais estado social ou mais liberalismo económico. E portanto um voto Le Pen terá consequências irreversíveis, piores do que a Brexit, também porque esta polarização enfraquece o «cordão sanitário» ou «pacto republicano» que impedia a Frente Nacional de aceder ao poder. O que se nota ao contrastar o ambiente desta semana em França com o de 2002, quando ninguém à esquerda da Frente Nacional hesitou: era necessário votar «no escroque contra o fascista», e houve até gigantescas manifestações de rua unitárias. Quinze anos depois, não apenas há movimentos e personalidades da direita não FN que apelam ao voto em Marine Le Pen, como a esquerda perdeu uma semana com os pruridos de Mélenchon. O resultado lógico é que enquanto Jean-Marie Le Pen adicionou um magro ponto percentual na segunda volta ao seu resultado da primeira volta, este ano Marine Le Pen espera ter na segunda volta aproximadamente o dobro do resultado percentual da primeira volta. E todavia, Macron é mais centrista em questões económicas do que Chirac era no seu tempo, e é até um progressista em questões de direitos individuais. O que reforça a conclusão de que para Mélenchon e o seu movimento, a oposição principal talvez já não seja esquerda-direita nem democracia-fascismo, mas sim nacionalismo-Europa ou «povo-elites».
Pessoalmente, tenho dificuldade em situar-me num eixo que joga com adesões emocionais a identidades colectivas (como «Portugal» ou «Europa»). Prefiro aderir racionalmente. Também por isso, choca-me bastante quem acha preferível partir tudo para que algo mude, sem perceber a segunda lei da Termodinâmica. Entre a xenofobia autoritária de Le Pen e o liberalismo democrático de Macron, não há que hesitar. Só o segundo garante que a democracia e a União Europeia não terminam aqui. E quer queiramos quer não, o mundo das fronteiras fechadas e do protecionismo não volta.
4 comentários :
Mais preocupante que os 16-18% dos eleitores de Mélenchon que se preparam para votar Le Pen, a lembrar os 'Bernie-Bros' que votaram em Trump, são aqueles (cerca de 40%) que adotam a política do 'ni-ni', que considera Macron ('a Extrema-Finança') igual a Le Pen e que argumentam se irão abster-se ou votar em branco (o inimigo está às portas de Bizâncio e as pessoas discutem quantos anjos podem dançar nas costas de um alfinete). Fazem-me lembrar o 'social-fascismo' dos comunistas alemães de Weimar, que não viam diferenças entre Hitler e os Partidos que defendiam a Democracia Parlamentar. Os resultados dessa 'pulsão de morte' (o termo é seu) das Esquerdas são os que se conhecem. Nesse aspeto, parece-me que não mudamos assim tanto. Custa igualmente ver como essa Esquerda não consegue digerir os resultados da 1ª volta. Para eles, a derrota de Mélenchon só pode ser explicada pela ação dos media e do sistema, não porque o seu candidato ficou em 4º lugar (ver https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/may/01/emmanuel-macron-french-voters-marine-le-pen). No fundo, revela um desprezo pelo processo democrático do voto, os resultados só se aceitam quando ganhámos e só contribuiremos para salvar a França da ameaça lepenista se os outros, que até são mais do que nós, aceitarem as nossas ideias (gostaria de ver o que eles diriam se Mélenchon tivesse passado à segunda volta com Le Pen e Macron ou a Direita recusassem apoiar Mélenchon). É triste constatar isto, mas uma percentagem significativa do eleitorado francês, talvez uma maioria, despreza os processos de decisão baseados no Estado de Direito e no gradualismo institucionalista. Nesse aspeto, o fim da França pró-europeia está à vista, mesmo que Macron ganhe...
Pefeitamente de acordo.
Quanto a isto: «Mais preocupante que os 16-18% dos eleitores de Mélenchon que se preparam para votar Le Pen, a lembrar os 'Bernie-Bros' que votaram em Trump, são aqueles (cerca de 40%) que adotam a política do 'ni-ni', que considera Macron ('a Extrema-Finança') igual a Le Pen e que argumentam se irão abster-se ou votar em branco», é significativo que o número dos «ni-ni» subiu durante a semana passada, reflectindo a postura ambígua, ela própria quase «nem-nem» de Mélenchon.
Está-se mesmo a brincar com o fogo.
É necessário perceber (supondo que Macron ganha) o que leva esta Esquerda a rejeitar tão gravemente as políticas de índole centrista (ou vá lá, no caso de Macron, de Direita, embora ele não seja completamente um neoliberal), a ponto de as colocar no mesmo saco do neo-fascismo. Se o problema for de que a alternativa a um regresso a um keynesianismo social-democrata de cariz nacional é a Extrema-Direita (como parecem advogar alguns na Esquerda, mesmo entre nós), então não nos entenderemos nunca e a Extrema-Direita ganhará tarde ou cedo, fruto da divisão do campo progressista. Se, pelo contrário, for possível estender o modelo da Geringonça a outros países, aí há efetivamente alguma esperança. Mas para isso esta Esquerda tem que aceitar uma coisa, é que mesmo a Direita neoliberal tem direito de cidade. Se tiver a maioria governa, mesmo que achemos as suas políticas detestáveis, mas aí estamos ao nível da competição democrática, cono já defendia Mário Soares no debate com Cunhal nos idos de 75. Sempre me fez confusão que o PCP colocasse de um lado os Democratas e do outro a Direita (e às vezes o PS). Para mim, Democratas são todos aqueles que aceitam o constitucionalismo, incluindo o princípio da universalidade dos direitos (coisa que a Extrema-Direita rejeita, mesmo se em voz baixa). Mas mais, como numa coligação ninguém obtém tudo o que deseja e quem tem a representação maior tem mais direitos, se eles entrarem no Governo, terão mesmo que aceitar compromissos (incluindo ao nível retórico). Irrita-me profundamente enquanto pessoa de Centro-Esquerda ser tratado ou como vendido ou como idiota porque não defendo uma economia largamente nacionalizada por exemplo, ou porque acho que, mal por mal, e na falta de uma estratégia clara de saída, devemos permanecer no Euro, pelo menos por agora. Apetece-me citar Blair, é pior do que isso, eu acredito mesmo no que digo e se quiserem o meu apoio é melhor levarem isso em conta. A Extrema-Esquerda faria bem em crescer e aceitar que o Governo Parlamentar de negociação permanente que vigora num País como a Dinamarca é bastante melhor e permite conceder aos indivíduos muito mais direitos que a selvajaria venezuelana (que não concede de facto nenhuns). Mas para isso teria que efetivamente mandar o Marxismo-Leninismo para o caixote do lixo da História e aceitar o princípio do Governo limitado e da liberdade económica (o que implica abandonar a ideia do controle democrático dos meios de produção). Ou seja, aceitar o primado dos direitos individuais sobre os coletivos... Porque essa é a discussão que não está resolvida e andamos nisto desde os anos 70...
Macron vai ganhar e nada vai mudar. Democracia é uma farsa porque salvo raras excepções, os politicos pertencem aos mesmos grupos maçónicos.
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