O objectivo do terrorismo é aterrorizar. Levar-nos a suspender a nossa capacidade de reacção e a nossa racionalidade. No caso da organização «Estado Islâmico» (EI), o objectivo mais imediato dos atentados de Paris poderá ser tentar a suspensão dos bombardeamentos aéreos que nos últimos meses têm feito diminuir a área que ocupa. Alguns argumentarão que o objectivo poderá ser o contrário: obter uma invasão que confirme profecias apocalípticas. Nesse caso, será difícil explicar que o EI tenha esperado por 2015 para iniciar a sua campanha terrorista na Europa.
Um efeito colateral do terrorismo é a desumanização de quem o perpetra. Os que expressam a sua condenação do EI recusando-lhe qualquer racionalidade ou até humanidade, dão largas a uma indignação justa e inteiramente compreensível, mas perdem capacidade de compreensão e portanto de resposta. «Patologizar» os terroristas chamando-lhes «loucos» ou «bestas» não nos ajuda a debater como os vamos impedir de repetir os seus atentados.
A ideologia do «Estado Islâmico» é conhecida e enunciada articuladamente pelos próprios. Querem restaurar o califado (ou afirmam mesmo já o ter feito), e portanto estabelecer um Estado baseado na interpretação mais fundamentalista do Islão. Muitos na Europa, à esquerda e à direita, resistem a aceitar que o Estado Islâmico seja aquilo que diz ser. Ao contrário do que acontecia com o IRA ou com a ETA, aos quais nunca foi negado que tinham o objectivo de unir a Irlanda ou separar Euskadi, ao «Estado Islâmico» recusam que tenha objectivos islâmicos. A razão é simples: em pleno século 21, há ainda quem não queira aceitar que da religião possa vir o mal.
E no entanto: o programa político que o «Estado Islâmico» concretizou no território que controla só difere do programa da Irmandade Muçulmana no grau de radicalismo e nos métodos. Os fundamentos são os mesmos. Aliás, não tem sido suficientemente sublinhado que a Arábia Saudita executa pessoas por dissidência religiosa e por comportamento sexual recorrendo à mesma jurisprudência que o «Estado Islâmico». Não costumam é filmar e postar no
youtube. O «Estado Islâmico» não é menos islâmico do que a Arábia Saudita ou do que as monarquias do Golfo. Anda é mais mal visto.
E sendo verdade que o «Estado Islâmico» não representa todo o Islão e que mata mais muçulmanos que pessoas de outras religiões, não se ganha nada em negar a sua inspiração religiosa.