É possível argumentar - e bem - que a igualdade de todos os cidadãos perante a lei pode não ser suficientemente eficaz no combate à discriminação racial. Que, face a preconceitos raciais com raiz no passado que se repercutem no presente aos mais diversos níveis, para que se consiga uma igualdade real, é necessário admitir formas de discriminação positiva, em alguns casos pontuais.
Não descarto tal argumentação. Se tais leis servirem para que se ultrapasse um preconceito social, para que ao fim de algum tempo sejam suprimidas, posso considerar a sua utilidade e até o meu apoio às mesmas.
Mas há que ter alguns aspectos em atenção: é importante evitar tais leis, se for possível ultrapassar a discriminação e o preconceito social sem recurso a elas. É importante que o seu alcance seja limitado, definido e explícito. No geral, as relações entre as pessoas deverão sempre ser pautadas pelo princípio da igualdade.
E, uma vez aprovadas estas leis, é importante que todas - todas! - as leis sejam aplicadas pelos juizes de forma cega. O juiz nunca deverá ser influenciado pela côr da pele do arguido.
Pontualmente, posso aceitar o análogo legislativo para a pertença comunitária. Mas qualquer destes três pontos se torna ainda mais crítico. E se o objectivo é o fim do preconceito, é crítico não estabelecer nenhuma forma de descriminação positiva que o encoraje.
Se um juiz for complacente com os indivíduos de uma determinada comunidade assumindo que os seus valores os tornam mais propensos ao furto, está a ser preconceituoso. Está a fazer uma descriminação cultural ilegítima. Está a chamar ladrões aos membros da mesma comunidade cujos actos são diferentes. Mas pior que isso tudo, mais até do que legitimar o preconceito daqueles que desconfiam dos membros desta comunidade - ao partilhar do mesmo - está a torná-lo realmente justificável: até o indivíduo menos preconceituoso teria medo de contratar alguém que, pela sua pertença comunitária, fosse menos imputável que os outros. Contratar, ou mesmo confiar, fosse como fosse.
Pior do que isto tudo, seria a caixa de Pandora que se abriria. Não podemos assumir que todos os juizes pretendem acabar com todos os preconceitos, e que todos acreditam piamente no princípio da igualdade. Nos tribunais já existe muita discriminação racial actualmente, e geralmente não se trata de «discriminação positiva». Ao admitirmos excepções ao princípio da igualdade - quer falemos em termos raciais, ou de pertença comunitária, estamos a dar ferramentas para que um juiz mais preconceituoso possa colocar a arbitrariedade do seu julgamento pessoal acima deste princípio fundamental, justificando na medida das suas possibilidades esta conduta inadmissível.
São estes os perigos destas abordagens, que é necessário ter sempre em conta.
Acima de tudo - repito-o - a justiça deve ser cega.
As leis e os tribunais devem cingir-se aos actos, e não a pertenças comunitárias ou cores da pele.
E - ironicamente - muitos dos que se batem, com as melhores intenções, pelo combate ao preconceito cultural, estão de facto a promovê-lo.