Diferentes formas de organização colectiva podem ser classificadas quanto ao grau de hierarquia presente. Existem colectivos extremamente hierárquicos, tais como algumas empresas privadas, os exércitos, alguns estados não-democráticos. Depois existem formas de organização intermédia, onde se elege um órgão dirigente com um mandato limitado e sujeito a uma série de outros controlos de cariz democrático mais directo nuns casos e indirecto noutros. No extremo oposto, existem formas de organização completamente baseadas no consenso ou, pelo menos, radicalmente democráticas, nas quais não é possível encontrar nenhuma estrutura dirigente formal.
A esquerda, por defender a liberdade e igualdade, tende a preferir formas de organização colectiva menos hierárquicas, sendo que, no entanto, os regimes classificados como sendo de "extrema esquerda" foram e são de cariz extremamente hierárquico (se bem que muitos dos seus defensores aleguem que não).
Não obstante esta contradição (que aprofundei aqui), a actuação política de esquerda foi, em muitos contextos, de luta - bem sucedida - para tornar a organização colectiva menos hierárquica, e os valores de esquerda têm implícitos esta preferência por formas de organização mais horizontais.
Identificando-me pessoalmente com a esquerda libertária, deveria ter esta preferência por formas de organização mais horizontais ainda mais vincada. E tenho: como já escrevi anteriormente, acredito que se o sistema democrático aumentar o grau de participação dos eleitores, a qualidade das políticas públicas tenderá a melhorar, pelo menos no médio/longo prazo. Existem fortes razões para acreditar que assim será.
No entanto, importa também reflectir sobre as limitações das formas de organização mais horizontais e os méritos das formas de organização mais hierárquicas. As segundas não são adoptadas de forma tão generalizada apenas por ignorância ou pela reprodução de formas de organização prévias: têm vantagens que devem ser reconhecidas se quisermos implementar um sistema adequado e funcional.
Os sistemas mais horizontais tendem, a diferentes escalas, a propiciar uma maior qualidade e adequação das decisões, se não tivermos em conta a velocidade da tomada da decisão como um factor que afecta a sua qualidade.
Há contextos onde não podemos deixar de fazer essa consideração. Uma guerra, por exemplo, exige uma coordenação de estruturas sociais muito complexas que seja muito rápida. Os exércitos são estruturas extremamente hierárquicas porque uma estrutura menos hierárquica estaria em forte desvantagem se em confronto, num contexto que muda radicalmente a cada minuto.
As estruturas mais horizontais tendem a propiciar, no médio/longo prazo, mais estabilidade (o que por si pode trazer muitos benefícios em vários contextos) e decisões mais alinhadas com os interesses dos afectados; mas também uma tomada de decisão que pode ser excessivamente lenta, o que nalguns contextos pode ser fatal.
Isso significa que, pelo menos enquanto não mudarem radicalmente as nossas capacidades de organização colectiva (as ferramentas tecnológicas já permitiram um substancial aumento dessa capacidade, como aqui referi, mas não devemos sobrestimar os seus efeitos) podemos acreditar que muitas organizações - em particular o estado - beneficiam de maior horizontalidade, mas que, para organizações mais complexas (com muitos elementos, sem que existam necessariamente relações de convívio e confiança entre os mesmos) que têm de actuar numa escala temporal mais apertada, existe um ponto a partir do qual o nível de horizontalidade pode promover a disfuncionalidade.
Uma vez reconhecendo este facto (e apenas para estruturas muito amplas que o exijam), importa tentar conciliar, na medida do possível - e sabendo que irão existir limitações - a horizontalidade com uma distribuição de competências decisórias que pode ser lida como "algo hierárquica" mesmo que isso não seja reconhecido de forma formal. Mantendo, claro está, o adequado escrutínio, e todo o tipo de garantias que evitem qualquer abuso de poder.