Criei o hábito de partilhar neste espaço, antes de cada eleição, alguns dos fundamentos para o meu voto, o que me beneficia pelo registo que cria (a memória é traiçoeira), mas também pretende estimular o debate e eventualmente persuadir o leitor (afinal de contas, acredito na fundamentação que aqui partilho, pelo que desejo que tenha maior impacto).
No caso das próximas eleições, no entanto, embora exista uma proposta política da minha preferência (não surpreendentemente, trata-se do LIVRE) quis iniciar este texto a argumentando porque é que o eleitor de esquerda deve votar à esquerda do PS - em particular no LIVRE, BE ou CDU.
Na verdade, circula um manifesto que quase faz a argumentação por mim, mas eu gostaria de apresentar os mesmos argumentos sob uma outra perspectiva.
Um eleitor de direita, se estiver focado apenas na próxima legislatura e for pragmático, deverá votar PS (ou, se por alguma razão tiver particular sensibilidade ambiental, PAN).
A razão é simples: não existem dúvidas de que o PS será o partido mais votado nas próximas eleições. A dúvida que se coloca é saber se o PS terá votos suficientes para governar sozinho, sozinho com o PAN, ou condicionado por um partido consideravelmente à sua esquerda. Para o eleitor de direita nas circunstâncias que descrevi, não deveria existir dúvida nenhuma sobre qual a opção menos desejável. Mas se isto coloca o eleitor de direita numa circunstância atípica, também coloca o eleitor de centro-esquerda ou esquerda numa circunstância menos convencional. Pelas mesmas razões que o eleitor de direita deveria votar PS, o eleitor de esquerda - se gostou da prestação da "geringonça" - deveria votar à esquerda do PS.
O facto do PS ter estado condicionado à esquerda trouxe mais equilíbrio às suas políticas, mais escrutínio à sua actividade governativa, mais diálogo produtivo no debate público. Para reeditar esta solução política é fundamental aumentar a força dos partidos à esquerda do PS.
Ao contrário de outros autores deste blogue, não tenho qualquer desdém pelo PAN. Pelo contrário, sei que a vitória impressionante que teve nas últimas eleições europeias deu um contributo essencial para pôr as alterações climáticas em particular e o ambiente em geral no centro do debate político para estas eleições legislativas. Para quem se preocupar exclusivamente com as questões ambientais, será certamente um bom voto.
No entanto, um voto no PAN corre o risco de "destruir" a solução equilibrada e funcional que esteve em vigor na última legislatura (caso o PS apenas precise dos deputados do PAN para formar maioria no Parlamento). Embora eu seja da opinião que o PAN é um partido à esquerda do PS, a diferença entre ambos não é suficientemente vincada e prioritária para o Pessoas-Animais-Natureza condicionar a governação PS em qualquer domínio que ultrapasse as questões ambientais e animalistas. Isso significa que um voto no PAN poderá contribuir para formar um governo que governe muito à direita do actual.
Para quem prioriza as questões ambientais e quer manter uma geringonça "equilibrada" sugiro um voto no LIVRE (principalmente se o eleitor votar nos círculos de Lisboa ou Porto), cujo programa não é menos ambicioso que o do PAN em matéria ambiental (e também é muito forte em matéria de defesa dos animais), mas tem importantes diferenças no que diz respeito às questões económicas e sociais, e destaca-se pelas excelentes propostas de aprofundamento da Democracia em Portugal e na Europa bem como no domínio da soberania digital.
Relativamente a partidos como o MAS e o PCTP, a sua indisponibilidade para acordos de governação que envolvam o PS já foi deixada muito clara. Será um bom voto para quem considerou a "Geringonça" uma "traição" que prejudicou as causas da esquerda. Não é essa a minha avaliação.
Uma vantagem de votar LIVRE face a votar BE ou CDU, na minha opinião, é a enorme mais-valia que o LIVRE traz no que concerne às já mencionadas propostas de aprofundamento da Democracia, nomeadamente no palco europeu. Embora pouco se fale no assunto (principalmente por estarmos em eleições legislativas e existir um profundo equívoco que desvaloriza o papel que estas eleições têm em definir as políticas europeias), creio que se trata de uma questão sistémica absolutamente crucial, que vai acabar por determinar todas as outras no médio-longo prazo. Por outro lado, só com uma perspectiva que ultrapasse uma legislatura é que faz sentido votar LIVRE fora dos círculos de Lisboa e Porto, onde a probabilidade de eleger é bastante mais reduzida.
No caso das próximas eleições, no entanto, embora exista uma proposta política da minha preferência (não surpreendentemente, trata-se do LIVRE) quis iniciar este texto a argumentando porque é que o eleitor de esquerda deve votar à esquerda do PS - em particular no LIVRE, BE ou CDU.
Na verdade, circula um manifesto que quase faz a argumentação por mim, mas eu gostaria de apresentar os mesmos argumentos sob uma outra perspectiva.
Um eleitor de direita, se estiver focado apenas na próxima legislatura e for pragmático, deverá votar PS (ou, se por alguma razão tiver particular sensibilidade ambiental, PAN).
A razão é simples: não existem dúvidas de que o PS será o partido mais votado nas próximas eleições. A dúvida que se coloca é saber se o PS terá votos suficientes para governar sozinho, sozinho com o PAN, ou condicionado por um partido consideravelmente à sua esquerda. Para o eleitor de direita nas circunstâncias que descrevi, não deveria existir dúvida nenhuma sobre qual a opção menos desejável. Mas se isto coloca o eleitor de direita numa circunstância atípica, também coloca o eleitor de centro-esquerda ou esquerda numa circunstância menos convencional. Pelas mesmas razões que o eleitor de direita deveria votar PS, o eleitor de esquerda - se gostou da prestação da "geringonça" - deveria votar à esquerda do PS.
O facto do PS ter estado condicionado à esquerda trouxe mais equilíbrio às suas políticas, mais escrutínio à sua actividade governativa, mais diálogo produtivo no debate público. Para reeditar esta solução política é fundamental aumentar a força dos partidos à esquerda do PS.
Ao contrário de outros autores deste blogue, não tenho qualquer desdém pelo PAN. Pelo contrário, sei que a vitória impressionante que teve nas últimas eleições europeias deu um contributo essencial para pôr as alterações climáticas em particular e o ambiente em geral no centro do debate político para estas eleições legislativas. Para quem se preocupar exclusivamente com as questões ambientais, será certamente um bom voto.
No entanto, um voto no PAN corre o risco de "destruir" a solução equilibrada e funcional que esteve em vigor na última legislatura (caso o PS apenas precise dos deputados do PAN para formar maioria no Parlamento). Embora eu seja da opinião que o PAN é um partido à esquerda do PS, a diferença entre ambos não é suficientemente vincada e prioritária para o Pessoas-Animais-Natureza condicionar a governação PS em qualquer domínio que ultrapasse as questões ambientais e animalistas. Isso significa que um voto no PAN poderá contribuir para formar um governo que governe muito à direita do actual.
Para quem prioriza as questões ambientais e quer manter uma geringonça "equilibrada" sugiro um voto no LIVRE (principalmente se o eleitor votar nos círculos de Lisboa ou Porto), cujo programa não é menos ambicioso que o do PAN em matéria ambiental (e também é muito forte em matéria de defesa dos animais), mas tem importantes diferenças no que diz respeito às questões económicas e sociais, e destaca-se pelas excelentes propostas de aprofundamento da Democracia em Portugal e na Europa bem como no domínio da soberania digital.
Relativamente a partidos como o MAS e o PCTP, a sua indisponibilidade para acordos de governação que envolvam o PS já foi deixada muito clara. Será um bom voto para quem considerou a "Geringonça" uma "traição" que prejudicou as causas da esquerda. Não é essa a minha avaliação.
Uma vantagem de votar LIVRE face a votar BE ou CDU, na minha opinião, é a enorme mais-valia que o LIVRE traz no que concerne às já mencionadas propostas de aprofundamento da Democracia, nomeadamente no palco europeu. Embora pouco se fale no assunto (principalmente por estarmos em eleições legislativas e existir um profundo equívoco que desvaloriza o papel que estas eleições têm em definir as políticas europeias), creio que se trata de uma questão sistémica absolutamente crucial, que vai acabar por determinar todas as outras no médio-longo prazo. Por outro lado, só com uma perspectiva que ultrapasse uma legislatura é que faz sentido votar LIVRE fora dos círculos de Lisboa e Porto, onde a probabilidade de eleger é bastante mais reduzida.
9 comentários :
o votante de esquerda deve votar num partido com 60 mil votos para quê? e votar numa cdu envelhecida só pra quem tem mais de 65
João Vasco,
dizer que eu tenho «desdém» pelo PAN faz tanto sentido como dizer que eu ou tu temos «desdém» pelo PSD ou CDS. Como somos de esquerda, somos contra o PSD/CDS. Desdém seria desprezá-los, o que eu, pelo menos, não subscrevo (também não quanto ao PAN).
Quanto a dizeres que o PAN está à esquerda do PS, seria assunto para um post da tua parte. Como já te disse, não acho que isso seja verdade. E aí estás (tu, sim) a mostrar «desdém» pelo PAN, porque eles próprios têm sempre dito que estão fora do esquema esquerda/direita, e têm agido em conformidade, quer no lugar que escolheram na AR, quer nas alianças que estabelecem ao nível nacional e local, quer no próprio programa.
Desafio-te portanto a ler o programa do PAN para estas eleições e explicares em que sentido é um programa «à esquerda do PS».
o tal do cdu nã é um estalinismo encapotado? isso é à esquerda do ps?
um voto no livre dá 0,9% mesmo se tivessem um deputado ou dois isso não teria peso mais do que o queijo limiano
Estou precisamente na dúvida entre votar LIVRE ou BE. Voto fora de Lisboa e Porto e sei que o LIVRE não vai eleger no meu círculo. Por um lado far-me-ia sentido votar BE para ajudar a eleger neste círculo, mas por outro, a tal perspectiva mais macro leva-me a querer votar LIVRE.
Vou estar neste dilema até amanhã... Se votasse em Lisboa ou Porto, tinha a vida facilitada.
O João Vasco aflorou o europeísmo no fim do texto, mas explicitando talvez um pouco mais, gostaria de dizer o seguinte:
Um dos raciocínios possíveis para se votar LIVRE é que não existe à esquerda do PS outro partido europeísta.
Para quem seja realmente de esquerda e para além disso esteja convicto que a UE é a única forma de termos voz no mundo globalizado, o LIVRE é a única opção.
Boa Fé,
Eu vou mais longe nesse ponto. O europeísmo do LIVRE não é um europeísmo acrítico como o do PS ou dos partidos de direita, onde se compreende que é necessário que a Europa esteja unida para ter o mínimo de força geo-estratégica e (para quem é de esquerda) alguma capacidade de regular a economia globalizada, mas se aceita a UE tal como ela funciona.
O europeísmo do LIVRE tem o mérito de ser um europeísmo com propostas transformadoras de reforma institucional que vão ao cerne dos problemas europeus e que explicam em grande medida a disfuncionalidade que caracterizou a reacção europeia à crise de 2008 e 2011, e muitos dos problemas europeus. Há um problema de défice democrático e o LIVRE tem propostas concretas, realistas e certeiras para resolver este problema.
E faz muito sentido que esta também seja uma questão central nestas eleições. As políticas da UE dependem mais da composição do Conselho do que do Parlamento Europeu, e aquilo que os nossos representantes no Conselho fazem depende de forma crucial da composição da Assembleia da República.
Dito isto, compreendo perfeitamente a sua indecisão. É indecente que não exista, no mínimo, um círculo de compensação para que todos os portugueses possam votar em consciência independentemente da sua localização geográfica.
Ricardo,
Se a tua divergência com o PAN é semelhante à que tens com o PSD ou CDS, estava realmente enganado.
Algumas alusões à impossibilidade de diálogo racional e outras razões levaram-me a crer, aparentemente mal, que as tuas divergências com o PAN seriam mais profundas e superiores.
Este ponto não é muito importante no texto, era apenas um aparte, mas se quiseres edito para não constar essa incorrecção. De qualquer forma o teu comentário é esclarecedor.
Quanto ao teu desafio, aqui vamos (fazes-me ir ler o programa do PAN deste ano) respondo-te no comentário seguinte.
Alguns exemplos:
«3.1 REFORÇO DO INVESTIMENTO NA CULTURA
Os planos nacionais das artes, do cinema e da leitura, genericamente o programa orçamental da cultura (excluindo a
RTP) deverá ter uma duplicação da sua dotação orçamental logo no orçamento de Estado de 2020. »
Praticamente todo o capítulo 4 "Igualdade, Inclusão, Respostas Sociais" (das páginas 54 a 71, e com 175 propostas) corresponde a propostas de esquerda e prioridades de esquerda (Exemplos: Revalorizar o montante do Indexante de Apoios Sociais, garantindo o aumento das prestações sociais; Colocar fim efectivo à discriminação na doação de sangue por parte da população LGBTI+; Combater a segregação das crianças afrodescendentes e das crianças ciganas nas escolas), mesmo algumas que eventualmente possa discordar (nenhuma das que exemplifiquei, obviamente) têm sido mais defendidas pelos partidos progressistas.
A proposta 786 deu muitíssimo que falar.
«Limitar as grandes reformas pela introdução da pensão máxima conjunta a ser atribuída pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) e pelo Centro Nacional de Pensões (CNP), no montante, para as novas pensões, de 15 IAS (em 2020), reduzindo-se um IAS por ano até atingir 12 IAS (em 2023) permanecendo posteriormente nesse valor. Uma medida a aplicar às novas pensões»
Ela ultrapassou de tal forma o BE e CDU pela esquerda (criando até dúvidas fundadas sobe a sua constitucionalidade) que criou o mal entendido que seria a típica proposta de plafonamento da direita.
Não, aquilo que o PAN propõe é que não se paguem pensões acima deste valor, não que quem as receberia deixe de contribuir o que contribuía. Isto esclareceu André Silva com todas as letras no debate com Catarina Martins e ninguém acreditou, simplesmente porque ninguém concebe o PAN a ultrapassar o BE e CDU pela esquerda dessa forma.
"795 Criar regulamentação própria com vista à instalação da Banca Ética e das Finanças Solidárias em Portugal"
"818 Combater a desigualdade salarial, concedendo benefícios fiscais às empresas que, sectorialmente, pratiquem menores assimetrias"
(Podemos discutir se é uma boa proposta, mas não há como negar que é a de um partido de esquerda)
O capítulo 7 é caracterizado fundamentalmente pela proposta de reforço das capacidades do SNS atribuindo-lhes novas valências, naquilo que corresponde a um acréscimo dos serviços públicos mais ambicioso do que o proposto, por exemplo, pelo PS.
O capítulo 8 (HABITAÇÃO PARA TODOS) propõe coisas como "957 Alargar a oferta de habitação pública, a preços acessíveis (renda condicionada), em territórios do interior do país onde existe maior despovoamento e apoiar os agregados familiares
em matéria de acesso à habitação, como resposta às assimetrias territoriais que existem em Portugal"
(continua)
O capítulo 9 está CHEIO de medidas de esquerda, desde "Reforçar o número de efectivos da Autoridade para as Condições de Trabalho, assegurando uma fiscalização e intervenção mais eficaz que impeça o recurso à contratação de trabalhadores com vínculo precário para o desempenho de funções permanentes" até:
"1001 Estabelecer o horário semanal de trabalho de 35 horas para os trabalhadores da Administração Pública e do sector privado
1002 Estabelecer o período de férias para 25 dias úteis para os trabalhadores da Administração Pública e do sector privado
1003 Consagrar a Terça-feira de Carnaval como feriado obrigatório
1004 Consagrar na legislação o direito do trabalhador à desconexão profissional
1005 Alargar a duração da licença parental inicial para seis meses
1006 Igualar a duração da licença parental de ambos os progenitores"
Neste importantíssimo ponto o PAN ultrapassa o BE pela esquerda e não é pouco.
Vale a pena ler o ponto 10.5 (SISTEMA PRISIONAL).
Parece-me que neste domínio o PAN ultrapassa a CDU pela esquerda, e embora não ultrapasse aquilo que o BE e LIVRE proporiam ou apoiariam no Parlamento, nenhum destes dois partidos foi tão explícito nos seus programas a este respeito.
E muito mais se poderia apresentar. Eu pensava que o PAN estava ligeiramente à esquerda do PS, estou a ver que a diferença é maior do que imaginava.
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