segunda-feira, 11 de maio de 2015

RBI, primeiros passos

No texto anterior argumentei que o RBI corresponde a uma solução importante para os problemas que a revolução tecnológica ao virar da esquina irá colocar.

É possível argumentar que a revolução tecnológica já coloca estes problemas - que nos últimos anos a tendência de aumento de desemprego e diminuição do tempo de lazer se substituiu à anterior tendência de conquista de direitos sociais e constante melhoria da qualidade de vida, que há algumas décadas atrás aqueles que olhavam para o futuro imaginavam uma sociedade onde as pessoas trabalhariam muito menos horas, e se isso acontece hoje é apenas sob a forma de desemprego excessivo. 
Mas seja como for, pelas razões expostas no texto anterior, é claro que na sua forma de implementação mais directa, o RBI ainda é uma ideia à frente do seu tempo, sem condições políticas, sociais ou financeiras para ser implementada sem mais

E no entanto, como mencionei nesse texto, as linhas programáticas da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar dizem o seguinte:

«3.24. Defendemos também a existência de um rendimento básico, assente numa filosofia de assunção da cidadania e não de assistencialismo. Tal como a educação, a saúde e a proteção social, também um rendimento básico deve ser incondicionalmente atribuído a todos os cidadãos. A introdução deste instrumento deverá ser precedida de uma avaliação dos seus pressupostos, da sua articulação com outras medidas de combate à pobreza e da sua sustentabilidade.»

Neste momento o programa da candidatura está em processo de construção, e este debate é um debate importante. 

Existem duas soluções extremas que a candidatura pode adoptar, e discordo de qualquer delas:

a) Propor a criação de um RBI «a sério», no imediato. 
Discordo desta proposta, pelas razões já explicadas. O aumento das despesas do estado em cerca de 50% parece-me um "aventureirismo" que não se coaduna com as dificuldades que o país tem vindo a sentir nos últimos anos. Seria irresponsável avançar com uma proposta assim. Ela seria punida nas urnas, e com razão.

b) Rejeitar a instauração do RBI.
A candidatura poderia alegar que, após o estudo do impacto orçamental das diferentes medidas propostas, não existe espaço para incluir também esta prestação cumprindo os objectivos orçamentais compatíveis com outras propostas importantes das mesmas linhas programáticas (nomeadamente a renegociação da dívida, que exige um saldo primário positivo para que exista maior força negocial face aos credores). 
É verdade que se poderia estabelecer uma tributação que fizesse face à despesa acrescida, nos tais moldes em que 95% da população aumentasse o seu rendimento líquido, mantendo-se o actual perfil de vencimentos. No entanto, poder-se-ia sempre alegar que não nos podemos dar ao luxo de lidar com uma hipótese tão incerta, até improvável.
Também discordo desta solução. Discordo porque ela não leva em linha de conta o enorme potencial do RBI no longo prazo, e porque ela esquece a possibilidade de soluções intermédias.

E que soluções intermédias pode a candidatura adoptar?
Eu imagino três, que gostaria de expor por ordem crescente de preferência pessoal:

1- O RBIzinho
A ideia do RBIzinho é realizar uma transformação gradual da economia até uma economia com um RBI «a sério».
Instaurava-se uma prestação simbólica, como por exemplo 60€ anuais para cada português (por hipótese metade deste valor para menores). O impacto orçamental imediato de uma medida deste tipo ainda é relativamente comportável no curto prazo, e o ritmo da transformação poderia ser adequado às possibilidades socais e financeiras. Quando «chegasse a hora» do RBI, a transição da situação de elevado desemprego, falta de procura, miséria, para uma situação equilibrada de maior produtividade e lazer seria muito mais rápida e fácil, pois a estrutura adequada para a realização desta transformação já estaria construída.

Existem dois pontos fracos desta proposta: a primeira é que será recebida por muitas pessoas como ridícula e absurda, e é compreensível que assim seja. Afinal, se a intenção não fosse aumentar significativamente esta prestação no futuro, para quê manter uma máquina burocrática capaz de efectuar esta transferência, e fiscalizar possíveis abusos, se a prestação em causa é tão insignificante?
O segundo ponto fraco será explicado quando expuser a terceira solução intermédia.


2- As «experiências piloto»
A alegação associada a esta proposta é que seria irresponsável implementar um RBI sem primeiro estudar o seu impacto nos comportamentos e escolhas das pessoas. 
Como tal, escolhem-se pequenas comunidades e realizam-se «experiências-piloto» para realizar estes estudos. 
As vantagens desta solução são claras: por um lado o impacto orçamental é negligenciável, e dificilmente lhe podem ser apontados riscos relevantes. Por outro lado, ela coloca na agenda a discussão sobre o RBI e ajuda a criar as condições políticas para que esta prestação seja implementada quando a sua necessidade for premente. Adicionalmente, ela permite fazer aquilo a que se propõe: aumentar o nosso conhecimento sobre o impacto do RBI numa pequena comunidade.

O ponto fraco desta medida é que não é assim tão relevante conhecer o impacto do RBI numa pequena comunidade: já existem várias «experiências-piloto» pelo mundo fora, e o seu problema é sempre o da «falta de escala». 


3- Um RBI à escala europeia
No texto anterior procurei demonstrar como os trabalhadores em geral tenderiam a beneficiar do RBI: quer os que privilegiam o trabalho face ao lazer - que teriam menos concorrência dos restantes e veriam seus salários subir - quer os que privilegiam o lazer face ao trabalho, que poderiam assim optar por utilizar uma maior fatia do seu tempo conforme as suas preferências. 
No entanto, estes custos salariais acrescidos, se ocorressem unicamente à escala de um pequeno país, poderiam tornar o investimento nesse país muito pouco apelativo. Ao afastar o investimento, a produtividade acabaria por diminuir, e as subidas salariais acabariam por não se manter. A prosperidade diminuiria, e o rendimento líquido da população poderia acabar por diminuir.
Este risco poderia ser quase totalmente eliminado com um RBI implementado à escala europeia.
Poder-se-ia alegar que o mesmo fenómeno ocorreria à escala europeia: o capital fugiria para outras paragens. No entanto, isso estaria sempre nas mãos dos europeus, e do enquadramento que preferissem adoptar - até em relação às taxas aduaneiras. Muito capital e investimento escolheria a Europa como destino simplesmente para ter acesso aos consumidores europeus. 
Neste sentido, a escala europeia é muito diferente da escala nacional: enquanto o capital pode fugir do nosso país para outro no mesmo mercado comum e ainda assim ter acesso aos consumidores portugueses, a situação análoga à escala europeia já poderá ser facilmente evitada se existir alguma concertação.
Um RBI à escala europeia tem outras vantagens: a prestação mínima necessária à sobrevivência constitui uma proporção muito menor do salário médio europeu do que do salário médio nacional, e nesse sentido exige um esforço fiscal que se apresenta como muito mais suportável.
Uma vantagem acrescida é que uma prestação deste tipo acabaria por constituir uma forma de redistribuição dos países mais ricos para os mais pobres que reforçaria os laços de solidariedade neste momento tão frágeis entre os povos europeus. E se poderíamos observar que os países mais ricos poderiam por essa razão ser mais renitentes face a uma medida deste tipo, é fácil de contrapor que nesses mesmos países o apoio a uma solução deste tipo é muito mais amplo que nos países menos ricos (possivelmente por causa da relação entre a prestação e salário médio já mencionada).

O ponto fraco desta medida é que olhando para as actuais instituições europeias, para a forma patética como têm gerido a crise, para os egoísmos nacionais, e os desequilíbrios de poder, é difícil confiar no enquadramento europeu seja para o que for - principalmente nesta fase.


Em jeito de conclusão, parece-me que não existe nenhuma solução perfeita.
Parte do problema é o nosso desconhecimento sobre o futuro, e as consequências que a revolução da automação, já ao virar da esquina, trará. 
Assim, qualquer opção tem riscos, e a opção de ignorar o problema parece-me das mais arriscadas.

Não sei qual será a escolha da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar, mas estou confiante que dentro de algumas décadas, em retrospectiva, a implementação do RBI vai parecer uma conquista tão elementar e essencial como o foram as jornadas de 12h, 10h e 8h, as férias e os fins-de-semana. 


Oxalá se faça essa conquista com o mínimo de sofrimento e desperdício - precisamente o contrário da forma como a zona euro respondeu à crise das dívidas soberanas.

2 comentários :

João disse...

Muito bom :) Só falta, nas soluções, a impregnação de um princípio-guia pelo RBI na lei, como foi feito na Brasil.

Miguel Madeira disse...

O que quer dizer "a impregnação de um princípio-guia pelo RBI na lei"?