A esquerda teve nas eleições de 18 de Maio o seu pior resultado de sempre: tem menos de um terço dos deputados, o seu maior partido será, ineditamente, o terceiro em número de deputados, dois dos pequenos partidos de esquerda estão em mínimos históricos, enquanto o único que subiu, só após uma década ultrapassou os 4%. Pior: dada a rápida subida da extrema-direita, não parece impossível que o sistema partidário português, à semelhança de outros países europeus, se polarize entre esse extremo e um partido do centro, o que será inevitável se a imigração continuar a ser a motivação de uma grande parte do eleitorado.
Vale a pena analisar a estrutura eleitoral atual. O CH é o maior partido no eleitorado masculino abaixo dos 55 anos, sendo mais fraco apenas entre os diplomados do ensino superior; é mais forte nos concelhos com mais imigrantes, mais crime ou mais beneficiários do RSI. Pode caracterizar-se o seu eleitorado como «perdedores da globalização»: aqueles que se esperava que votassem à esquerda e pelo Estado social, mas que votam à direita e contra os imigrantes. A AD, que aspira ser o grande partido do centro, tem o eleitorado mais transversal, salientando-se apenas o seu apoio entre os diplomados do ensino superior, e nos concelhos mais católicos ou com mais empresas. Já o PS destaca-se por ter o eleitorado mais idoso, menos instruído e mais feminino. A IL e o LIVRE (partido do qual fomos fundadores e militantes até 2019) partilham um eleitorado muito jovem, instruído e urbano (especialmente onde as rendas são mais elevadas), mais masculino no primeiro caso.
A esquerda só conseguirá recuperar os votos perdidos para a direita e extrema-direita, se se dirigir às preocupações dos que se sentem esquecidos e excluídos. O país mudou, a estrutura socioeconómica alterou-se profundamente e a esquerda não acompanhou esta evolução, não compreendendo os cidadãos e usando uma linguagem tão académica que a mensagem não passa. Vejamos a questão do trabalho. A extrema-direita apresenta soluções fáceis para problemas complexos, fazendo o eleitor acreditar que se expulsar todos os imigrantes a economia recuperará por artes mágicas. E a esquerda não consegue combater estas ideias porque dirige-se principalmente aos trabalhadores que trabalham em grandes empresas, por conta de outrem ou são funcionários públicos. Na realidade, se consultarmos os últimos dados da Pordata, verificamos que o tecido empresarial em Portugal é composto por microempresas de menos de 10 trabalhadores, sendo a maioria até empresas unipessoais. São os cafés, as papelarias, os escritórios de contabilidade, as lojas de roupa que, em média, trabalham 41 horas por semana. Que propostas apresentou a esquerda para estes trabalhadores? Junte-se o número de falências de empresas que tem vindo a crescer desde 2022, e que deixa estes trabalhadores desamparados.
São os novos excluídos de uma esquerda que os ignora, tratando fiscalmente as micro e pequenas empresas como trata as grandes, ignorando completamente este tecido social e empresarial. Junte-se a proliferação de empresas de trabalho temporário, que celebram contratos com empresas de turismo, por exemplo, em que os trabalhadores não pertencem à empresa onde se apresentam para trabalhar, mas sim a outra onde são pagos pelos dias em que trabalham, sem folgas, sem extras, sem fins de semana. Onde está a esquerda para estes trabalhadores? Não será certamente a semana dos quatro dias que os motivará a votar. Onde está a esquerda que não vê que estes trabalhadores do turismo vivem das gorjetas, porque os ordenados são na ordem dos 929 euros mensais?
Onde está a esquerda que, sobre o problema da habitação, aponta o dedo apenas aos fundos imobiliários, que são um problema crescente, mas ainda residual, e não aplica medidas imediatas para baixar a prestação das casas pressionando a banca, permitindo que os juros com o crédito à habitação sejam deduzidos no IRS, possibilidade que terminou após 2010?
Onde estão as propostas da esquerda para os cidadãos endividados, que ao não conseguirem pagar os impostos ou prestações sociais, caem numa espiral de aumento de juros e de dívidas em que o Estado é apenas carrasco? Em 2024, as dívidas incobráveis diminuíram porque os cidadãos já não têm qualquer bem, ou valor líquido, para as liquidar.
Onde está a esquerda que abdicou da regionalização para ver as regiões mais esquecidas a votarem na extrema-direita?
Na verdade, onde está a esquerda? Não é por isso de estranhar que o voto na extrema-direita suba à custa do eleitorado do PS não apenas porque este não os entendeu, mas porque efetivamente os abandonou (o Estado social, só por si, não garante prosperidade). Partidos como o LIVRE sobem apenas porque captam o voto de cidadãos materialmente confortáveis, evidentemente longe de serem a maioria da população portuguesa. Para voltar a crescer, a esquerda terá de mudar estruturalmente as suas propostas perante os trabalhadores.
(Artigo de Ricardo Alves e Marisa Galiza no Observador, 6/6/2025)