A noite eleitoral de hoje pode ser o pior resultado de sempre para a esquerda: em 1987, a esquerda parlamentar teve 34% dos votos (e a direita parlamentar 55%), mas com um partido do centro (o PRD) com 5%. Hoje, a esquerda deverá ter cerca de um terço dos votos, e a direita quase dois terços. Pode até ter maioria de revisão constitucional, e à hora a que escrevo (com 95% dos votos contados) é possível que os dois maiores partidos em votos e mandatos sejam de direita.
A queda foi rápida: há pouco mais de três anos, a esquerda ainda tinha mais de metade dos votos, e uma maioria absoluta. O que aconteceu? A razão principal da ascensão da extrema direita é a imigração. Que é um filão inesgotável: mesmo que metade dos imigrantes saíssem de Portugal num ano (o que só aconteceria com uma crise económica muito grave), a extrema direita continuaria a exigir a saída dos que ficassem. A xenofobia é uma paixão insaciável.
À semelhança de boa parte da Europa, vamos ter o xadrez partidário polarizado entre a extrema-direita e o bloco central. Como acontece em França e na Alemanha, e pode acontecer no Reino Unido. Nesse cenário, os partidos à esquerda do PS (e a própria IL) tornam-se irrelevantes. Porque existiam para «completar» as maiorias do PS, arrancar cedências pontuais, e num regime de Bloco Central isso não será relevante.
O que fazer? Se houve uma mudança estrutural, a esquerda tem que se reestruturar. Tem que se reconstruir radicalmente. O que pode implicar novos partidos, federar alguns dos existentes, mas principalmente abrirem-se à sociedade civil. Porque não se pode continuar a fazer tudo como se fez até aqui.
9 comentários :
Que entende o senhor por abrirem-se a "sociedade civil"? Será que a extrema-direita europeia, em crescimento continuo, é mais aberta à sociedade civil do que a esquerda? Será porque dispõem melhores meios para convencer às pessoas? ou é porque se ocupam de temas que preocupam mais a população?
Por exemplo, o senhor afirma que a razão para a subida do CHEGA é a imigração, o que significa que é uma questão que preocupa a uma parte importante da população portuguesa. É legitima ou não a preocupação para com a imigração? Qual é a resposta a esta preocupação da esquerda?
Nesta questão, e não é a única, a esquerda europeia adoptou a mitologia neoliberal, passando a defender os interesses do grande capital. O desmantelamento das sociedades de bem-estar europeias baseia-se no enfraquecimento das fronteiras, o que resulta: 1) na livre circulação de capitais, permitindo optimizações fiscais; 2) na deslocalização de empresas e 3) na expansão da imigração. Os dois últimos factores enfraquecem consideravelmente o poder de negociação dos trabalhadores e conduzem, de facto, ao esmagamento dos sindicatos.
A imigração maciça, num período de baixo crescimento económico, não tem como não prejudicar duramente as camadas mais pobres da população. É uma fonte de concorrência tanto para os salários como para os serviços básicos, nomeadamente a habitação.
Frente a resposta típica da esquerda liberal: eles também são pessoas, um pode recordar que os fura-greves também são pessoas, e que a esquerda tradicional, procedente do movimento sindical, opõe-se-lhes, tratando-os como traidores. De facto, o termo “fura-greve” não é normalmente utilizado como um elogio. Não digo que os imigrantes possam ser chamados de traidores, mas sim de competidores.
Acho que foi Jérôme Fourquet, excelente analista da sociedade francesa, quem melhor explicou a ascensão do RN (extrema direita francesa): Os populares votam ao RN porque se convenceram de não poderem ganhar na luta contra os ricos, mas poderem ganhar a luta contra os imigrantes.
Para além da simples concorrência, os migrantes podem trazer outros incómodos para os nativos. Como observou Ayaan Hirsi Ali: o movimento de pessoas traz consigo o movimento de culturas. E são os que mais convivem com os imigrantes, as camadas populares, os que mais sofrem com esses incómodos. Não é por acaso, que as francesas de origem portuguesa (filhas elas também de imigrantes) votam maciçamente no RN.
É lógico e necessário que a esquerda proponha soluções diferentes das da extrema-direita. O que ela não pode fazer é ignorar as queixas legítimas de uma parte importante do seu eleitorado natural.
não é só a imigração, os mais pobres votaram no chega em monte gordo monfortinho setúbal e palmela e muitos outros sítios e muitos jovens com reduzido leque de empregos no país também, não creio que o resultado se repita nas autárquicas
eu sempre tive dificuldade em situar o prd um partido criado por eanes para competir e substituir os outros partidos, o chega é também um homem ventura o partido não lhe sobrevive nem tem quadros para as autarquias
Sim, o CH é um homem só. E muito frágil nas autarquias.
Por «abrir à sociedade civil» queria dizer fazerem primárias abertas, e ouvirem as associações e personalidades fora dos partidos.
a revisão numa forma mais moderada ou mais radical logo se vê vai avançar o chega a il e o psd parecem dispostos a chegar a acordo perder-se-ão talvez alguns direitos que também já não eram assegurados como a habitação
não parece também provável o esvaziamento do chega como aconteceu com o PRD
parece que 50 anos depois vai haver uma reforma do estado, esperar para ver
mais uma reforma do estado desde 1978 que há reformas do estado que não reformam nada, temos um dos aparelhos de estado mais ineficientes do mundo, ombreia quase com os estados do golfo
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