terça-feira, 12 de novembro de 2013

A esquerda portuguesa continua a mesma, versão 2013

A influência de Cunhal, 100 anos depois, pode ser vista nos recentes desenvolvimentos no blogue cujo nome, apesar de tudo, não deixa de ser uma homenagem (implícita e subtil) ao líder histórico comunista. Contra os desvios esquerdistas Cunhal escreveu o célebre "Radicalismo Pequeno Burguês de Fachada Socialista" (como Lenine escrevera "A Doença Infantil do Comunismo"), de que João Vilela nos recorda um notável trecho:
«gritam contra a ‘linha justa’ (a linha do PCP) mas absolutizam a sua. Gritam contra o dogmatismo mas avançam como verdades absolutas ideias que afirmam antidogmáticas. Gritam contra a mística do Partido enquanto não conseguem criar o seu. Gritam contra os aparelhos porque não foram capazes de criar um próprio».
Compreende-se a reação a quem sistematicamente acusa o PCP de "revisionista" ou mesmo, no caso do MRPP, "social fascista". A crítica é justa (e não se aplica ao PCP). Ainda assim, se o PCP não quer ser acusado de dogmático (do outro lado), deveria deixar abertas algumas pontes.

Tomando ainda o mesmo blogue como exemplo, num outro texto o Tiago Mota Saraiva escreve:
O 5dias está a sectarizar-se e a transformar-se num instrumento político curto de quem, falando de cátedra, prima por fazer do vizinho da esquerda o seu principal inimigo.
Bem, isto mesmo poderia ter sido escrito por mim quando eu próprio saí, de minha vontade, do Cinco Dias. Não esperava que o Cinco Dias apoiasse a maioria das políticas do PS. Mas não poderia aceitar que fizesse deste partido (como fazia) o seu maior inimigo. Quem diz o Cinco Dias diz (nesse aspeto) o PCP: embora o Cinco Dias não seja (evidentemente) um blogue "do PCP", no que diz respeito às relações com o resto da esquerda (especialmente o PS) parece-se bem com o PCP.

É natural que o PCP se sinta entalado entre uma extrema esquerda que considera que o partido "traiu a revolução" ao não a levar até ao fim (e continua a traí-la quotidianamente ao pactuar com a democracia) e um PS que o acusa de estalinista. Também o PS se sente entalado entre uma esquerda (PCP e Bloco) que o acusam de estar ao serviço do capital e trair os trabalhadores e uma direita que quer acabar com o Estado Social. É natural e democrático que assim seja. Só que no caso do PCP o partido não faz ideia (e se calhar nem quer) "desentalar-se". É assim desde 1975. Para se desentalar, teria que começar por dar razão à extrema esquerda em muito do que esta o acusa (quando acusa Cunhal de ter sido "um reformista sério"). Tal implicaria perder o respeito pela sua história e dos seus aliados tradicionais? No Brasil, Lula e o PT foram capazes de se desentalarem. Não perderam nem uma coisa nem outra.

Creio que o principal problema do PCP é outro: os seus militantes até podem ser cada vez mais numerosos (em tempos de crise é normal que assim seja), mas vivem uma realidade que é só deles. Nessa realidade eles não estão (e nem nunca estiveram) "entalados", porque só eles contam. As formas de luta que defendem fazem sentido para eles, mas não para o resto da população (que muitas vezes se organiza em movimentos de que eles desconfiam). O seu mundo ainda é o mesmo dos anos 70, mas não se apercebem de que o resto do mundo mudou muito desde então, e em particular o capital efetuou e efetua novas ofensivas que requerem que se procurem novas respostas.

Enquanto o PCP não perceber isto, não poderá desentalar-se nem contribuir para desentalar a esquerda portuguesa. Esse contributo só poderá provir de um agente novo, que tenha em Portugal um papel semelhante ao de Lula no Brasil.

2 comentários:

  1. O PCP não necessita de se desentalar, tal como os seus resultados eleitorais mais recentes mostram.
    De facto, enquanto o Bloco deu um enorme trambolhão, o PCP recuperou.
    Ou seja, quem está entalado são o Bloco e o PS, cujo eleitorado anda sempre a flutuar. O PCP permanece.
    Ademais, a experiência dos partidos comunistas estrangeiros mostra que aqueles que, após 1989, se procuraram desentalar, é que acabaram por ficar todos quilhados.

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  2. Acho que o PS estar ao serviço do grande capital não é uma questão de opinião. Desde 1976 não houve ondas de privatizações da banca e empresas públicas nos governos do PSD combatidas ardentemente com novas nacionalizações nos governos do PS. O exemplo mais recente foi o belo negócio da venda da Galp ao Amorim e aos angolanos pelo "socialista" Sócrates. Também os lucros gigantescos e pouco taxados do grande capital não são exclusivos dos períodos em que o PSD governava. E uma prova de que o grande capital pode bem com o PS é que há muita gente, que se dizia de esquerda, recompensada com bons cargos nos conselhos de administração dessas empresas.

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