- «Restou-nos a fotografia — e um filme curto — do “homem do tanque”, no qual um desconhecido segurando dois sacos de compras se posiciona calma e metodicamente em frente a uma coluna de tanques. Os tanques desviam-se, ele acompanha. Os tanques ameaçam, ele insiste. E depois os tanques param porque algum soldado lá dentro terá sentido que não conseguiria matar ali aquele homem. Houve muitas tentativas para encontrar a identidade e confirmar o seu destino, que eu saiba sempre infrutíferas. Será melhor assim; seria bom que o “dissidente desconhecido” fosse simplesmente a corporização de algo que existe em cada um dos humanos. Trata-se, quanto mais pensamos nisso, de um documento simples e muito perturbador. A realidade lembra-nos todos os dias que nós humanos estamos predispostos à obediência; e ali está a prova em contrário, contra todas as evidências mesmo, de que afinal um desobediente consegue deter um império. Coisa difícil de acreditar.
Nos anos seguintes, a China mudou muito. Ficou mais rica e poderosa; os ingénuos do capitalismo acreditaram que com o dinheiro viria a democracia, que “a China ficaria mais parecida connosco”. Afinal, foi o contrário que aconteceu. Nós é que estamos agora mais parecidos com a China, mais dispostos a trocar democracia por dinheiro — por exemplo dispostos a deslocar uma manifestação, em Lisboa, para que os dirigentes chineses possam viver no seu mundo de deferência e fantasia.
Sim, eu sei. Estamos endividados e os dirigentes chineses fazem o favor de comprar a nossa dívida. Por mim, podem comprar toda a dívida que quiserem. Isso não apagará a dívida maior, mais profunda e impossível de pagar que temos ao homem do tanque.» (Rui Tavares)
«entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime, et la loi qui affranchit.»
(Lacordaire)
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