- «(...) [sobreexiste] ainda hoje uma lamentável confusão entre os partidos políticos e as crenças religiosas, confusão que tem sido propositadamente favorecida pelos clericais e cegamente mantida por ingénuos ou fanáticos.
- (...) um partido democrático não pode nem deve impor aos seus correligionários nada mais do que a observância rigorosa de certos princípios fundamentais, sem os quais esse partido não tem razão de existir.
Nós admitimos perfeitamente essa imposição máxima (se imposição se pode chamar a uma definição clara de atitudes), que não denota nenhuma intolerância. Os padres da Igreja não são intolerantes excomungando aqueles que divergem de uma maneira absoluta dos seus princípios admitidos. A sua Igreja tem uma acção, um destino, uma missão a cumprir; fora dela pode admitir outras acções, outros destinos, outras missões diferentes; mas o que não permite é que se suponha filiado na sua Igreja quem está em contradição com o que constitui a alma da própria Igreja. Excomungar é pois, dentro de limites prescritos, reconhecer uma divergência que os crentes foram os primeiros a levantar; como ninguém os obriga a concordar com as máximas fundamentais da Igreja (de outra maneira não seriam excomungados, mas forçados a comungar), é de um certo modo sancionar a liberdade de discussão; e representa, sob o ponto de vista moral, a disposição dessa Igreja em não colaborar na hipocrisia de um indivíduo que, tornando-se incompatível com os princípios da sua seita, insistisse em dizer-se inspirado no espírito restrito da seita.
Por isso, se um republicano começasse para aí a defender a intolerância religiosa, as ditaduras políticas, o regime de perseguição, não era apenas um direito, mas um dever do directório do partido, depois de o ter inutilmente esclarecido, excomungá-lo da sua agremiação política, dizendo-lhe: nós respeitamos de uma maneira absoluta a sua liberdade de consciência; dizemos-lhe mais: para nós a sua liberdade de consciência, como a liberdade de consciência de todos os homens, é a coisa mais preciosa do mundo. Pode ser mesmo que tenha razão e que todos nós laboremos no erro; pois bem: a melhor maneira que o senhor tem de manifestar a sua razão e o nosso erro é confessar que não pertence ao nosso partido. Quando todos nós erramos, seria uma insistência imbecil querer sujeitar-se ao nosso rótulo - que é o nosso erro. Antecipamo-nos pois, e acreditaremos, para não ter de duvidar da sua inteligência, que fizemos o que mais grato seria à sua vontade esclarecida.
Mas esta obediência querida, livremente consentida e livremente aceite, esta obediência que não é propriamente obediência, porque não representa uma sujeição servil, mas um acordo consciente e voluntário em determinados princípios «centrais» e «primordiais» de um partido democrático, levar-nos-á a estabelecer dentro dele uma «uniformidade» lata, de maneira que modos de pensar, de sentir, de compreender a vida, e de a viver, apresentem uma identidade absoluta? Nós que o quiséssemos, e ser-nos-ia impossível. Fosse possível, e mal de nós se o quiséssemos.
(...)» (Raúl Proença, Alma Nacional nº21, 30 de Junho de 1910)
«entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime, et la loi qui affranchit.»
(Lacordaire)
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Raúl Proença: «O partido republicano e as crenças religiosas»
Continuando a obra deste blogue de divulgação do pensamento de Raúl Proença, segue mais este texto.
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