- «Éramos livres, ou queríamos ser livres, mas demorámos algum tempo a sê-lo. A liberdade exigiu aprendizagem. Em Outubro de 1974, no início do novo ano lectivo, as reformas estavam ali, visíveis naquela escola. Na sala, as paredes estavam despidas de Salazar e Caetano. Mantinha-se o crucifixo, que ninguém muda a mentalidade de professores com dezenas de anos de carreira de um dia para o outro. O 1° ano tinha pela primeira vez classes mistas, para gáudio dos mais velhos, como eu, que com as colegas de turma inventávamos casamentos entre meninos e meninas de 6 anos. Ainda me lembro do meu casal preferido, a Clarinha e o Nuno (pobres vítimas da Revolução!). Deixou de haver um muro a separar o edifício dos rapazes e o das raparigas e isso era estranhissímo. Nos anos anteriores era expressamente proibido passar o muro para o outro lado, o castigo era grande para quem o fizesse e, de repente, não havia muro, e éramos convidados a usar todo o espaço do recreio. Nunca consegui atravessar o muro que já não existia. Lembro-me perfeitamente de sentir que continuava a infringir qualquer lei.» («Somos Livres», no Divas e Contrabaixos.)
- «(...) confundir qualquer cerimónia com uma missa e qualquer ideia ou ideologia com uma religião a benefício de um argumento único -- o de encontrar uma justificação para a presença do cardeal patriarca nas comemorações oficiais do 25 de abril e, note-se que era esse o fulcro da minha crítica, com estatuto idêntico ao dos presidentes da república (a simples presença do cardeal patriarca não é obviamente um óbice à separação entre estado e confissões religiosas; o que o é sem dúvida é a sua equiparação a figura de estado e, no caso, à mais alta figura do estado) -- é o tipo de coisa que não carece de contradita (...) portanto para o joão miranda um estado democrático e livre celebrar a liberdade e a democracia (é que, sabe, joão? há lugares onde não há uma coisa nem outra, e garanto-lhe que é muito desagradável) é a mesma coisa que dar loas a alá. caramba, joão. terei de lhe explicar que a democracia e a liberdade por definição não excluem ninguém a não ser os inimigos da democracia e da liberdade (e mesmo assim estes só se agirem contra elas, não por delito de opinião)? e que não há comparação possível entre uma cerimónia que celebra todas as possibilidades de pensamento e de vida e uma liturgia que prega um único caminho e uma única visão, condenando todos os outros e outras à exclusão?» («deste mundo e dos outros», no Glória Fácil.)
«entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime, et la loi qui affranchit.»
(Lacordaire)
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