quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Erros do liberalismo de direita - III

A corrupção, pela sua natureza, tende a aumentar com o peso do estado na economia. Se o estado é residual, as transacções tendem a ser de mútuo acordo, e o mercado tende a penalizar aqueles que defraudam os outros. Mas se o estado tem maior dimensão e funções, há mais oportunidades para que os políticos aproveitem o seu mandato para proveito próprio, entre favoritismos e sacos azuis.

Até parece fazer algum sentido. Mas está errado.
Tão errado, que o oposto seria uma descrição mais próxima da verdade.

Vejam-se os dados mundiais relativos às percepções de corrupção aqui, vejam-se os dados da OCDE relativos ao peso do estado na economia aqui, que reproduzo de seguida:



Entre outras coisas, é curioso verificar que são os mesmos que lideram ambas as listas.

O facto de os dados serem tão expressivos a este respeito, mas ainda assim ser tão reproduzido o discurso que associa o peso do estado à corrupção mostra que existe, à direita em geral, e entre os liberais de direita em particular, algum autismo. Uma recusa em adaptar as crenças sobre o mundo que os rodeia à realidade, aos dados empíricos. Parece não existir, entre eles, quem lhes diga «cuidado, a realidade desmente essa afirmação».

6 comentários :

Wyrm disse...

[insere um arrazoado com citações de mises e hayek explicando que os países nórdicos são diferentes porque o estatismo lá é diferente do nosso e que o nosso é o mais perigoso e porque raio está você a olhar para o mundo quando deve só olhar para portugal?]

PR disse...

Penso que o argumento é um pouco mais subtil do que o João Vasco dá a entender. A ideia é que, ceteris paribus, mais Estado tende a gerar mais corrupção.

Ora, essa condição está longe de se verificar quando se fazem comparações Malavi/Suécia ou Irlanda/Rússia.

O que deveria ser feito era analisar os índices de corrupção para cada país ao longo de um período de tempo razoável. E o ideal seria fazê-lo para países nos quais o peso do Estado tenha oscilado muito ao longo do período em análise (Suécia 1990/2000, Irlanda 1980/90, por exemplo), de forma a ter uma ideia razoável da possível correlação.

Jo disse...

PR:

No texto não é apresentado o peso do estado no Malavi ou na Rússia, mesmo que estes dados pudessem favorecer a tese (no fundo da tabela da corrupção estão países onde o peso do estado é realmente residual).

Os países onde é feita a compração são todos membros da OCDE.
Mas sobre a Suécia, durante o período em causa (1990/2000) não existiram grandes oscilações no no que diz respeito a este indicador da corrupção. A Suécia esteve sempre nos lugares de topo da tabela, com pontuações não muito diferentes.

O problema é que a ideia de que o aumento do peso do estado leva tendencialmente a um aumento da corrupção, apesar de muito divulgada, não tem fundamentação empírica.

E isso é algo que tenho pena neste tipo de debates políticos, que não de condicionem as crenças aos factos. Fala-se apenas no vazio.

João Vasco disse...

Ups, estando num computador alheio, usei outra conta por engano.
Quem escreveu o último comentário fui eu.

PR disse...

João,

"O problema é que a ideia de que o aumento do peso do estado leva tendencialmente a um aumento da corrupção, apesar de muito divulgada, não tem fundamentação empírica."

Para dizer isso com segurança teria de fazer a correlação que eu propus. Dei uma vista de olhos e confirmei que a Suécia de facto anda sempre lá por cima; mas também olhei para Portugal e reparei que o aumento do peso do Estado foi de facto acompanhado por uma degradação na posição da corrupção.

Com isto não estou a dizer que os partidários da hipótese que o João critica têm razão. Estou apenas a dizer que a refutação tem de ser um mais elaborada do que o exercício que fez aqui.

João Vasco disse...

PR:

A Bélgica não é a mesma coisa que a Holanda. Se a Bélgica, por hipótese, tiver um maior peso do estado, e menor corrupção, isso pode ser atribuído a N outras causas que não a relação entre estas variáveis.

Da mesma forma, a Bélgia nos anos 80 não é a mesma coisa que a Bélgica hoje. Se, por hipótese, o peso do estado tiver aumentado, e a corrupção tiver diminuído, isso pode ser atribuído a N outras causas que não a relação entre estas variáveis.


Como tirar então conclusões? Em ambos os casos, ajuda ter muitos dados.
No primeiro caso, vários países culturalmente semelhantes. As diferenças continuam a existir, mas podemos considerar que a influência das várias diferenças culturais na corrupção se comporta como "ruído" do ponto de vista estatístico.
Se, por hipótese absurda, o número de fumadores fizesse aumentar a corrupção, e o número de fumadores fosse maior na Bélgica, a comparação simples entre Bélgica e Holanda seria enganadora. Mas com vários países, esse efeito seria anulado, a menos que existisse correlação significativa entre número de fumadores e peso do estado...

Já no segundo caso, as coisas não são tão simples. Se um factor terceiro influencia a evolução da corrupção, não é tendo mais valores que eliminamos a influência desse valor.

O ideal, seria, claro está, ter os dados de todos os países da OCDE, e a evolução de ambas as variáveis ao longo do tempo.

No entanto, não é necessário tanto. Porque a correlação entre peso de estado e corrupção no caso dos países da OCDE seria uma consequência natural da tese que pretendo refutar, a inexistência dessa correlação (mais, a pequena correlação em sentido oposto) é suficiente para mostrar que a realidade não se comporta de forma tão simples quanta a descrita pela ideia que pretendo refutar. É um indício muito forte.

Mas concordo que não é o fim absoluto da história. (Nunca é)
Se um proponente dessa ideia fizer as contas com mais dados (por exemplo, as várias evoluções temporais), explicando devidamente em que medida é que os dados afinal suportam a sua teoria, estarei totalmente aberto a rever a minha posição.

Mas não bastam meia dúzia de evoluções temporarais escolhidas a dedo (isso poderia ser chery picking - por oposição a escolher o par OCDE/dados mais recentes). Se vamos falar em evoluções temporais, falemos de todas.