terça-feira, 4 de abril de 2006

As democracias também torturam

Archive pictures of German prisoners held by the British following the second world war
Comunistas alemães torturados pela democracia britânica (1946).
O jornal britânico The Guardian publicou ontem um relatório sobre a tortura de cidadãos alemães suspeitos de serem comunistas. Os factos tiveram lugar em centros de detenção britânicos na Alemanha e em Londres, entre 1945 e 1948. O «tratamento» incluía a tortura do sono, a privação de alimentos, a exposição ao frio e as agressões físicas. Pelo menos dois comunistas morreram de fome e outro foi espancado até à morte, tendo estado detidos, no total, 372 homens e 44 mulheres. Eram civis, e geralmente foram detidos na zona alemã sob controlo britânico. O único oficial britânico castigado foi demitido do exército e convidado a juntar-se ao MI5.
Por muito que nos custe aceitá-lo, não há povos impecavelmente civilizados, nem sistemas políticos que possam garantir a protecção de todos os indivíduos sob a sua jurisdição contra a violência de Estado. A democracia britânica foi responsável pelas mortes de católicos em Belfast, nomeadamente no Domingo Sangrento de 1972, sem que um único soldado tivesse sido punido. A República francesa sujara as mãos de sangue em 17 de Outubro de 1961, quando muitas dezenas de argelinos foram massacrados nas ruas de Paris. Já nos anos 80, a democracia espanhola demorou a reagir aos assassinatos selectivos de militantes da ETA, uma estória que ainda hoje não é totalmente clara. No século 21, temos Guantánamo e Abu Ghraib para nos recordar a barbárie de que somos capazes, e que os Estados de Direito não querem ou não conseguem impedir.
Embora a natureza humana não esteja, como é evidente, prestes a alterar-se, há que reconhecer que a vergonha do Governo do Reino Unido perante este caso dos primórdios da Guerra Fria acalenta a esperança de que a única mudança possível esteja a acontecer, ainda que lentamente: o respeito público pela dignidade humana estende-se agora a cada vez mais grupos raciais e ideológicos, mesmo quando em privado se continua a torturar.

3 comentários :

cãorafeiro disse...

o que torna um regime democr´tico superior é que é mais fácil que a sociedade se mobilize para denunciar os abusos cometidos em seu nome pelo seu governo.

o que torna um regime democrático verdadeiramente democratico é autenticidade com que defende e pratica os valores que diz defender.

para que isso aconteça, e dado que quem tem poder tem logo tendência para abusar do poder, é preciso que cada cidadão tome consciência de que a palavra cidadania não é uma palavra vã, e que cada um tem o dever de defender a democracia, mesmo que seja contra o seu próprio governo democrático.

Ricardo Alves disse...

Obrigado pelo comentário, «cãorafeiro». Começava a temer que ninguém compreendesse onde eu queria chegar com esta reflexão... ;)

cãorafeiro disse...

eu é que agradeço, ricardo, porque graças a este blog, consigo agarrar-me à ideia de que à esquerda nem tudo está perdido.

no fundo aplica-se o que acima disse da democracia. cabe a cada um de nós que somos de esquerda, defender a ideia de esquerda dos ataques que vem sofrendo.