- «(...) O caso deve-se a Paulo Morais, um ex-político que anda há um ano a dizer, em crescendo, que há corrupção a rodos na política portuguesa. Entre exemplos vários atirou contra Frasquilho. Porquê? Porque ele trabalha também para o Banco Espírito Santo, que por sua vez assessorou os chineses no processo de privatização da EDP. Sendo que também pertence à comissão que, diz ele, devia fiscalizar essa mesma privatização – que ele assume como «opaca». Está-se mesmo a ver, não está? – lançou Paulo Morais, por exemplo numa entrevista ao jornal i. A verdade é que não, não se está a ver, está-se a insinuar. E não porque aquela comissão não tem nem a missão, nem as competências para investigar as privatizações em curso. Não porque a questão da EDP nunca foi tratada em nenhuma daquelas reuniões – nem sequer pelo PCP e pelo BE. E, já agora, não porque Miguel Frasquilho sempre se recusou a tratar, na Assembleia, matérias que se cruzem com o banco para o qual trabalha. Prova dessa lisura foi o que se passou a seguir. Fernando Medina, do PS, fez-lhe um elogio rasgado («comportamento exemplar»). Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, prontificou-se a subscrever o comunicado. Quanto a mim, resolvi escrever este texto não só porque o gesto de dignidade é raro e meritório, mas sobretudo porque vivemos dias perigosos. Em tempo de austeridade é fácil semear a desconfiança e atacar os políticos por igual, pegar em meias verdades e deitar lama sobre os que estão na vida pública. É popular pegar em frases sonoras e dizer que os políticos ganham demais, que estão rodeados de serventias e que, para mais, só andam a tratar da sua vida e dos seus negócios. Quem o diz não percebe – ou não quer perceber – que esse discurso nos empurra para o abismo. Um dia acordaremos e só nos sobram os políticos mal pagos, que vivem só e apenas da política e que não têm ideia do que é a vida, o país ou sequer do que é gerir o Estado – e já estivemos mais longe. Digo-vos mais: daí a que apareça alguém a propor que se acabem com os partidos é um passo pequeno. Por mim, pelo que conheço destes 17 anos de jornalismo e do Parlamento, garanto-vos isto: há bons deputados, há bons políticos (e até políticos bons) em Portugal, como aqueles que estavam na sala da comissão na quarta-feira. Oxalá não desistam de lutar pelo bem público, cada qual pelas suas ideias.» (David Dinis)
«entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime, et la loi qui affranchit.»
(Lacordaire)
O Paulo Morais já disse várias vezes que a maioria dos políticos são honestos (mais de 80%), e até pode ser verdade que o que deu a entender a respeito de Miguel Frasquilho em particular tenha sido injusto. Mas muitos dos exemplos que dá são justos e merecidos e em Portugal faz falta um discurso estruturado e sério como o que Paulo Morais tem sobre a corrupção.
ResponderEliminarAté mesmo porque o discurso popular e pouco sério quanto à corrupção surge precisamente da falta que se sente de uma abordagem séria a este problema.
Nesse sentido, creio que o discurso de Paulo Morais e o trabalho da TIAC é uma lufada de ar fresco que faz falta, e que me parece essencial para preservar a Democracia.
O problema é que os maiores partidos não continuem surdos a este problema e às soluções que são propostas.
João Vasco,
Eliminaro meu problema é que o discurso do Paulo Morais não me parece sério. Parece-me até pouco sustentado. Abusa de «culpa por associação». No género:
1) Há meia dúzia de escritórios de advogados realmente importantes em Portugal;
2) Devem estar todos feitos uns com os outros;
3) O escritório de advogados X deu um parecer jurídico para um grupo económico;
4) Deputados do escritório de advogados Y votaram a favor de algo que interessava a esse grupo económico.
Conclusão: CORRUPÇÃO!!!
A sério: o combate à corrupção pode ser melhor do que isto. E menos generalista.
Outro problema que tenho é que ele chama corrupção a coisas que foram opções políticas perfeitamente legais. E vai ao ponto de sugerir que sem corrupção não haveria crise, o que é ridículo.
Mas mesmo que não haja corrupção de este ou aquele indivíduo, e não o podemos saber, e portanto não podemos condenar ninguém, isto são conflitos de interesses óbvios que não se devia permitir que acontecessem. Como não haver juízes em causa própria, etc. É uma espécie de princípio de higiene... Outro caso que ele apontou é o de escritórios de advogados que dão pareceres jurídicos na elaboração de leis e depois advogam (?) em casos relativos a essas leis.
EliminarEstes conflitos de interesses devem ser conhecidos, e parece-me que não deviam ser permitidos.
Ricardo Alves,
ResponderEliminarJá várias manifestei a minha discordância contigo quando remetes a "corrupção" para a esfera exclusivamente criminal. Isso parece-me um disparate. Bastaria tornar legais todas as práticas corruptas que hoje são consideradas criminosas para acabar com o problema da corrupção em Portugal, de acordo com essa perspectiva. Parece-te razoável?
De resto, subscrevo o comentário do Bruno, e acrescento que o Paulo Morais tem um discurso em defesa de um conjunto de propostas pragmáticas concretas que a TIAC propõe (geralmente ele presta declarações enquanto vice-presidente da TIAC), que não se ficam pelos problemas para os quais ele alerta.
Concordo que é um exagero dizer "sem corrupção não haveria crise" (embora acredite que seja a sua opinião), mas certamente a severidade da mesma seria diferente. Adicionalmente, não aproveitar as condições políticas que a crise proporciona para atacar este problema é de uma gravidade que pode pôr em causa o regime - até a Democracia.
Quando ele faz estes avisos não o considero alarmista: considero-o lúcido.
João Vasco,
Eliminarparece-me mais razoável pôr a questão ao contrário: quais são as práticas não éticas que o Paulo Morais defende que passem a ser criminalizadas? É que apontar práticas legais chamando-lhes «corrupção» acaba por desvalorizar a corrupção propriamente dita... a menos que se defenda a alteração das leis. Sem essa mudança de estratégia, a postura do Paulo Morais acaba por ser principalmente «moralista», com todos os riscos que isso acarreta: inutilidade, demagogia. E os movimentos «anti-políticos» crescem em toda a Europa. E são um risco para a democracia.
Ricardo Alves,
ResponderEliminarA TIAC tem propostas muito concretas que passam também por alteração de leis.
Mas creio que estás a falhar o ponto. Por exemplo: a lei deve permitir que um indivíduo trabalhe na indústria de Cerveja e passe leis que afectam esta indústria. Cabe aos eleitores julgar a forma como é gerido este conflito de interesses no concreto, e não aos Tribunais. São os eleitores quem tem de avaliar se foram passadas uma série de leis que beneficiam esta indústria, ou pelo contrário o deputado comportou-se como um representante da nação e não mais.
Facilmente podes imaginar como esta possibilidade pode ser abusada, e como o debutado em causa poderia potencialmente manter práticas simultaneamente legais e corruptas.
Nesse caso, DEVIA existir quem denunciasse a situação para que o deputado sofresse as consequências políticas dos seus actos - já que não irá sofrer jurídicas.
Mas, volto ao que disse inicialmente, a TIAC está muito mais preocupada em promover reformas legislativas concretas na luta contra a corrupção do que em denunciar as práticas corruptas deste ou daquele indivíduo. Quando fazem a segunda é ao serviço da primeira (e ambas têm mérito).
Por fim, não vejo neste discurso um discurso "anti-políticos". Vejo uma pressão política que ultrapassa as fronteiras ideológicas tradicionais e se estende ao longo de um largo espectro político, convidando as pessoas a uma indignação com o status quo que faz falta. E faz falta para salvar a Democracia. O risco para a Democracia não é a denúncia da corrupção - é a sensação de impotência para lidar com ela, e nesse sentido acho que o trabalho da TIAC é de louvar, pois realmente criam a esperança de que se pode fazer algo para resolver este problema.
Nas entrevistas do Paulo Morais, ele não defende reformas legislativas. E isso tira-me a vontade de aprofundar mais o que ele pensa ou o que a TIAC defende.
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