quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma gordura cancerígena

Após o 11 de Setembro, o orçamento de espionagem dos EUA foi multiplicado por 20 e o número de espiões excedeu o da Guerra Fria, com novos meios de vigilância e licença para torturar.

Em Portugal, o SIS e o SIED têm agora tantos funcionários como a PIDE de 1945 (que incluía as funções do SEF). Sócrates mentiu ao parlamento sobre os voos da CIA e as circunstâncias da expulsão do alqaedista Sofiane Laib indiciam uma entrega às "prisões secretas". E só este Verão a opinião pública já aprendeu que um quadro menor do SIS era cúmplice do IRA, que o SIS elabora dossiês comprometedores sobre cidadãos inocentes e que o líder do SIED vigiou um jornalista e traficou informação para a empresa para a qual se transferiu.

Os serviços "de informações", imprescindíveis às ditaduras, são nocivos às democracias.

A pretexto de um terrorismo islâmico hoje exangue, crêem-se impunes porque gozam da protecção de leis que alegadamente criminalizam a denúncia dos crimes do Estado, de uma fiscalização incompetente ou conivente e de um Passos Coelho que nem ao parlamento revela resultados de inquéritos. São uma gordura cancerígena no corpo do Estado de direito democrático. As suas tarefas poderiam ser entregues à PJ (criminalidade organizada) e a académicos (investigação sobre extremismos).

Após o 11 de Setembro fomos todos americanos. Dez anos depois somos todos Nunos Simas.

(Publicado originalmente no i.)

Revista de imprensa (31/8/2011)

  • «Em pinceladas largas, a Constituição de 1911 republicanizou o Estado, assegurou a laicidade das instituições públicas e a liberdade religiosa para todas as confissões, valorizou a instrução pública, introduziu o controlo da constitucionalidade pelos tribunais e eliminou privilégios de nascimento, entre outros aspectos de relevo.

    Contudo, olhando para as expectativas que o programa do Partido Republicano criara, é justo recordar que a Constituição se esqueceu do sufrágio feminino e que foi tímida quanto ao avanço da protecção social e laboral, a que as correntes social-republicanas ou o movimento operário aspiravam. Um balanço complexo e até contraditório e, por isso mesmo, de discussão obrigatória.

    Não se trata pois de apelar a um exercício meramente contemplativo do passado, mas antes de ponderar os valores e as ideias que marcaram 1820 e 1911 e procurar, criticamente, pistas para o futuro.

    Será ou não relevante ter presente o contexto histórico da sua génese quando discutimos a salvaguarda de uma escola pública laica e universal? É ou não fundamental ter presente a tendência secularizadora da legislação da família quando discutimos questões como o divórcio, o acesso ao casamento ou a parentalidade? É ou não de extrema utilidade identificar os momentos iniciais da protecção social pelo Estado quando a sua subsistência pode estar em causa? Devemos ou não olhar para a Constituição como um referência de valores e de uma visão de sociedade quando pensamos em rever o seu texto?» (Pedro Delgado Alves)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Os crimes dos Estados não são bem crimes...

Quando a mafia está no poder somos nós que temos de provar a nossa inocência. Quem faz a lei decide o que são crimes e razões de Estado.

O que aconteceu nos últimos 40 anos foi a destruição progressiva do Estado pelos oligarcas da globalização. Sem estado não há democracia. Hoje, como na Alemanha dos anos trinta, os políticos não têm existência própria. Pertencem à classe financeira, como Hitler pertencia à classe industrial (até os tramar a todos). Os políticos hoje só existem enquanto paus mandados dos milionários que lhes empregam as famílias.

Na América, as questões de "segurança" sempre tiveram um carácter predominantemente financeiro. Muito antes da Guerra Fria já os políticos americanos tinham legalizado a corrupção - aqui os corruptores activos chamam-se lobbyists e os passivos senadores, juízes, representantes, etc. - e o exército americano, juntamente com os diversos serviços secretos que foram sendo criados, construíu e destruíu países, mudou fronteiras e inventou o Panamá, sempre a mando dos empresários.

Durante a Guerra Fria os americanos treinaram abertamente terroristas e nunca hesitaram em espiar, torturar e matar quem se opunha ao império das empresas das bananas, ou do petróleo, ou do cobre, etc.

Os governos de hoje são pequenos e fracos, e nenhum político com ambições se atreve a contradizer o axioma de fé mais importante do capitalismo global: os governos querem-se pequenos e fracos em nome da democracia e da liberdade. A imprensa está nas mãos de um grupo minúsculo de oligarcas e nenhum jornalista com ambições (e prestações para pagar) se atreve a criticar a ordem estabelecida.

Neste contexto, ninguém sabe quanto é que as empresas sabem sobre nós, por onde anda a informação sobre o nosso consumo de energia (que o BCP já adquiriu à EDP há para aí 20 anos), os nossos cartões de crédito, os nossos passeios pela internet, os nossos registos médicos... a privacidade é uma coisa do passado.

Há uns anos Michael Moore contou-nos uma coisa importantíssima: nenhum dos vizinhos dele em Manhattan trabalha. Vivem todos de rendimentos, viajam que se fartam e gastam milhões de dólares por ano. A vida deles é óptima e eles não têm nenhum incentivo para a mudar. Quando se lhes fala, por exemplo, numa distribuição mais equitativa da riqueza, eles têm uma vertigem e são capazes de tudo para manter o status quo. Tortura (de "terroristas!") é o que menos os impressiona. Guerras? Invasões? Escutas? Apoiam (e promovem) o que for preciso.

A coisa não é simples: todos os anos nascem para aí 50 milhões de pobres. Não há crescimento económico que lhes augure um futuro fora da pobreza mais abjecta, da ignorância, da violência e da fé. Esta gentalha toda representa um perigo enorme para o futuro dos ricos. Têm de ser vigiados e reprimidos. Isto é um imperativo da nova ordem internacional. E os políticos têm mais é que fazer o que os ricos lhes mandam.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Estado tem licença para cometer crimes?

Segundo o Público, Passos Coelho prepara-se para garantir que o segundo inquérito aos «informaçõezinhas» seja tão inconclusivo como o primeiro. Poderá mesmo impedir os deputados, todavia representantes dos cidadãos, de acederem às conclusões do inquérito. E um ilustre constitucionalista, Bacelar Gouveia de seu nome, defende até que é crime divulgar os crimes dos serviços do Estado. O mesmo Bacelar Gouveia que já chefiou a pseudo-fiscalização dos SIS/SIED, que se percebe agora que ou é incompetente (para os ingénuos), ou conivente com os crimes do Estado (para quem vai abrindo os olhos).

Entretanto, soube-se também que o pide Silva Carvalho jurou em tribunal, em Novembro de 2010, que os «informaçõezinhas» não faziam aquilo que ele fizera ao jornalista Nuno Simas apenas três meses antes. E como a Optimus garante não ter fornecido os dados, ou alguém dessa empresa foi corrompido, ou o Estado também espiou uma empresa.

Se o inquérito da Procuradoria não resultar numa condenação efectiva, e se se confirmar que também o poder judicial é conivente com os crimes do Estado, não se queixem se os cidadãos de bem não vierem um dia a tratar a escumalha do SIS e do SIED como trataram os seus antecessores. Há revoltas que são inevitáveis, quando se vê a democracia e o Estado de Direito a serem destruídos por aqueles que fingem defendê-la.

Fumadores terciários!

Agora descobriram que os fumadores que fumam na rua, cheios de frio, com um ar culpado de quem está a destruir deliberadamente a biosfera, têm molêculas de nicotina nos cabelos e nas roupas, e portanto representam um perigo para a Humanidade e vão ser brutalmente reprimidos em vários estados, a começar aqui nos EUA.

Acho fantástico que o país dos pesticidas, onde os irmãos Koch querem legalizar o DDT, onde os SUVs deitam toneladas de poluentes para a atmosfera - aqui os cowboys deixam o motor ligado quando vão ao supermercado, para terem o carro fresquinho quando acabam as compras - onde a Bayer tem autorização por tempo indeterminado para continuar a vender o pesticida que está a acabar com as abelhas todas, onde a FOX despediu os jornalistas que queriam fazer uma reportagem sobre os productos cancerígenos que os americanos injectam nas vacas leiteiras... agora são os fumadores que estão a perturbar o equilíbrio ecológico.

Os puritanos devem ser ainda muito mais infelizes do que nós pensamos.

domingo, 28 de agosto de 2011

Privatizar a Arte

O Público tem um artigo sobre furtos de obras de arte, que supostamente estão a aumentar. Pelo menos estão a aumentar em valor. Eu acho este assunto fascinante, porque justamente o mundo da arte é o mundo das pessoas que mandam no mundo, que estão acima da lei. Quem leu os livros de Peter Watson ("Sotheby's: The Inside Story" ou "The Medici Conspiracy", por exemplo) percebe o que eu quero dizer. Os colecionadores de arte são uma élite cada vez mais poderosa que tem cada vez mais políticos nos bolsos e faz, cada vez mais, o que lhe apetece.

Quando há oito meses a polícia francesa entrou no Institut Wildenstein e encontrou 30 obras declaradas roubadas ou desaparecidas, ninguém pestanejou. No mês passado Guy Wildenstein foi formalmente acusado de possessão de obras de arte roubadas. Em sua defesa alegou que o Instituto - cuja missão é investigar as obras de arte - não tinha um inventário das obras que estavam no cofre. Daqui a seis meses os advogados tiram-no de apuros e não se fala mais nisto.

Como Strauss-Kahn. A Lei não se aplica aos ricos.

EUA: a direita e a realidade...

Vi recentemente um excerto duma entrevista com o provável próximo presidente dos EUA - Rick Perry - em que lhe perguntam porque é que os milhões de dólares que ele gasta todos os anos em programas de "abstinence only" (organizados por grupos religiosos) nas escolas, e ele respondeu: "abstinence works". "Not for the Virgin Mary" pensei eu, mas o jornalista, como todos os jornalistas, teve respeitinho e não insistiu muito no facto de o Texas ter o terceiro maior número de gravidezes entre teenagers dos EUA (e os salários mais baixos, maior poluição e pior educação).

O problema mais grave desta direita que manda nos EUA é que, como se gabava Bush, acreditam que podem construir a realidade em que vivem. Eu tenho um colega que acredita que o cancro é o resultado de "energias negativas" e que as pessoas - mesmo os bébés - são responsáveis pelas suas doenças todas, incluindo (e sobretudo) cancros.

De 24 de Setembro a 1 de Outubro um pequeno grupo de pessoas vai celebrar outra vez este ano a Banned Books Week, lendo livros que as escolas e livrarias americanas baniram, ou tentaram banir, no ano lectivo que terminou este verão. A ideia da censura é a mesma: se não se falar em sexo, drogas, ou dúvidas sobre a bondade do capitalismo e da religião, os problemas desaparecem.

A lista é longa. Os cinco livros mais contestados foram, segundo o website deles:

And Tango Makes Three, by Peter Parnell and Justin Richardson;
Reasons: homosexuality, religious viewpoint, unsuited to age group

The Absolutely True Diary of a Part-Time Indian, by Sherman Alexie;
Reasons: offensive language, racism, religious viewpoint, sex education, sexually explicit, violence, unsuited to age group

Brave New World, by Aldous Huxley;
Reasons: insensitivity, offensive language, racism, sexually explicit

Crank, by Ellen Hopkins;
Reasons: drugs, offensive language, racism, sexually explicit

The Hunger Games (series), by Suzanne Collins;
Reasons: sexaully explicit, violence, unsuited to age group

Curiosamente (ou não) "Nickel and Dimed: On (Not) Getting by in America" de Barbara Ehrenreich (a autora do vídeo cujo link incluí acima "Smile or Die") é o oitavo livro da lista.

O que é uma teoria da conspiração?

Imagem publicada originalmente no jornal do PSD/Madeira e no Jornal da Madeira (o tal que é pago pelos contribuintes). Via Câmara Corporativa. Notar a estranha ausência dos homens de preto, dos Illuminati e da Trilateral.

sábado, 27 de agosto de 2011

Antes que seja tarde


Há anos que alerto neste blogue para o perigo para a democracia e para o Estado de Direito que a escumalha SIS/SIED representa. A maioria das pessoas não se apercebeu ainda que os serviços ditos «de informações» têm mais pessoal e poder hoje do que durante a (defunta) «guerra fria». Pior: do 11 de Setembro em diante, foi-lhes dada «carta branca», por governos democráticos, para praticarem crimes de vigilância electrónica, escutas telefónicas, e até tortura (embora restrita a islamistas e geralmente «deslocalizada» para Estados estrangeiros). As semelhanças entre Silva Pais e Silva Carvalho já são muito mais do que fisionómicas.

As notícias de hoje confirmam que o poder que têm, a soberba de se acharem «acima da lei» e as «costas quentes» que os governos lhes garantem estão a gerar um monstro que pode ameaçar os direitos básicos de todos os cidadãos: confirmou-se que um qualquer jornalista, só por escrever sobre o SIED, teve o seu telefone vigiado. Por ordem, presume-se, de Silva Carvalho, o personagem pidesco sobre o qual já escrevi aqui e acolá. E que Passos Coelho protege.

Há quem diga que os serviços ditos «de informações» são indispensáveis. É verdade para as ditaduras. Para as democracias, tenho mais dúvidas. Mas num país em que os cidadãos aceitam facilmente dar os seus dados biométricos ao Estado, por enquanto não há revolta. Mas se não forem devidamente processados e detidos uns tantos, isto pode acabar mal. Mão dura com a escumalha das «informações», é o que se impõe. Antes que seja tarde.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Mais um caso entre muitos...

Bem a propósito deste texto, o mais recente episódio de como a hipocrisia de certos actores políticos não conhece limites.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Homofobia como estilo de vida

Enquanto estava em Itália recebi um email da universidade, com as palavras "muito importante" no título, a dizer que um grupo de estudantes conservadores queria ler - nos termos da lei podem, e eu acho que devem - todos os emails do meu departamento que contivessem as palavras "gay" e "lésbica" e já não me lembro das outras, e o nome do chefe deste grupo de saudáveis rapazes e raparigas, que eu imagino altos, direitos, de faces rosadas e sempre frescos do orvalho matinal da lezíria texana.

A primeira coisa que me irritou foi receber notícias do Texas, quando estava em Itália. A segunda foi a expressão "muito importante". Muito importante seria aqui a universidade ter metido um homem em Marte enquanto eu estava fora, ou descobrir a cura para o cancro. A curiosidade destes rapazes não deveria merecer, em meu entender, que a universidade se metesse imediatamente em sentido, a tremer de medo e a pedir desculpa por não ter ido à missa na semana passada. A terceira coisa que me irritou não tem nenhuma importância, mas é uma tecnicalidade que gostava de partilhar convosco: desculpem-me a franqueza, mas eu estive uma vez sentado junto dos dirigentes deste grupo de guardiães da moral e dos costumes, e fiquei com a ideia que o presidente é um bocado maricas.

Se calhar isto sou eu a embirrar (outra vez), mas parece-me que não há um único destes campeões, destes perseguidores implacáveis do pecado da sodomia - que deve ser grave, porque aqui os gays e lésbicas chamam-se a si próprios LGBTs, que parece uma sigla dum síndroma gravíssimo - que não seja uma bicha doida à espera de ser libertada.

Os anos Bush foram delirantes (também) neste sentido: cada semana aparecia-lhe mais um evangélico na Casa Branca com as calças na mão, literalmente. A começar pelo conselheiro religioso pessoal do presidente, que era o presidente das igrejas evangélicas americanas, um energúmeno chamado Ted Haggard, que não era gay, mas quando dava nas anfetaminas, não sabia bem como, acordava sempre com um prostituto muito simpático...

A lista de evangélicos homofóbicos apanhados com a boca na botija - literalmente - é longa. Mas mesmo que ninguém os apanhasse, parece-me impossível que alguém que não seja, pelo menos, bissexual seja capaz de conceber esta ideia da homossexualidade como estilo de vida que se adopta.

Quem é que, não sendo homossexual, pode conceber a ideia de poder escolher a inclinação sexual pessoal? NUNCA me passou pela cabeça uma dúvida, por mais ténue que fosse, sobre este assunto: se a minha vida dependesse disso, entre ir para a cama com uma halterofilista búlgara de barba e bigode, ou com o ídolo das teenagers do momento, não hesitava em casar-me com a halterofilista (e filiar-me no partido comunista búlgaro). Sou só eu?

PS: Sabiam que Rick Perry - que organizou há 15 dias uma oração pública com 30 mil pessoas da New Apostolic Reformation, um dos grupos mais violentamente homofóbicos do mundo, que é o autor da lei que no Uganda prescreve a pena de morte para os gays e prisão maior para os não delatores - foi cheerleader aqui na minha universidade?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Revista de blogues (24/8/2011)

  • «Em dois meses de Governo muita coisa mudou em Portugal. Os impostos aumentaram, mas só para quem trabalha. O projecto do TGV foi recuperado, mas só para mercadorias. Um ministro tentou intervir na televisão pública, mas só informalmente. A RTP vai ser privatizada, mas só no Canal 2. A Caixa Geral de Depósitos tem mais administradores, mas só por causa do mérito. Um comunista foi trabalhar para a direita, mas só para ganhar dinheiro. Os órfãos de José Sócrates chamaram filhos da puta e nojentos aos adversários políticos, mas só estavam a brincar.

    É uma nova pátria, um novo desígnio, enfim, uma coisa nunca vista.
    » (Luís M. Jorge)

A separação final

Joseph Ratzinger chefia uma Igreja que é um Estado. Em visita a Espanha ou Portugal, explora oportunamente essa duplicidade: enquanto último monarca absoluto da Europa, é recebido pelas autoridades estatais; enquanto líder religioso, opina sobre política interna (da contracepção ao suicídio assistido e ao casamento civil) - o que jamais seria tolerado a outro chefe de Estado estrangeiro.

Respeito inteiramente o direito de Ratzinger de se dirigir àqueles que o reconhecem como Papa, ou valorizam as suas orientações. Mas noto que só quando a Santa Sé deixar de ser reconhecida como Estado se resolverá a questão da separação entre política e religião nos países que foram católicos. Ao contrário do Irão, da Arábia Saudita ou da Coreia do Norte (onde num dia desejavelmente próximo as burocracias dogmáticas locais, clericais ou estalinistas, serão derrubadas pelos respectivos povos), o Vaticano moderno, que deve a sua definição territorial a Mussolini, não tem povo próprio. O último estado da Europa sem separação de poderes, e o único do mundo sem maternidade, intervém na Assembleia Geral da ONU como tal, embora represente sempre uma religião e não um povo.

A laicidade só será plena nos países latinos quando a ICAR for apenas uma instituição da sociedade civil. Como o são as outras comunidades religiosas em Portugal, sem que isso todavia diminua a sua liberdade.

(A minha terceira crónica no i.)

Oeste Bravio

Bem sei que como português não devo gozar muito com os texanos. O meu país nunca primou pela qualidade dos políticos e os portugueses re-elegeram o Santana Lopes e o Paulo Portas e o Nuno Abecassis e o Alberto João Jardim, vezes sem conta, choraram o Salazar e o Marcelo, e eu estou convencido que se o governo decidisse introduzir a pena de morte, a maioria votava pelas execuções públicas...

E no fim do dia, nunca me devo esquecer que estou aqui exilado, que os meus colegas do IPPAR/IGESPAR me expulsaram de Portugal, e que os americanos me acolheram sem perguntas e me tratam lindamente.

Mas os candidatos aqui do Tea Party deixam-me perplexo sempre que não consigo evitar as notícias. Acho que mais pela ignorância selvagem que demonstram do que pela cupidez e pelo egoísmo infantil e miserável que aqui se ostenta com orgulho.

A América é um país de cidades pequenas e rurais, onde a cultura dos colonos do século XVII cristalizou. A cola social ainda é tão importante para eles como era no tempo em que recebiam um navio por ano e metade morria no Inverno. O puritanismo e a ausência de solidariedade e de empatia pelos fracos são dois traços desta cultura que se mantiveram inalterados. Nas aldeias miseráveis da Virginia o adultério era um crime gravíssimo, com consequências horríveis para as pequenas comunidades de fundamentalistas religiosos que tinham fugido para cá para evitar os ventos do Renascimento, cercados por nativos e acossados pelos espanhóis. O mesmo se pode dizer da violência como primeira resposta para a maioria dos problemas.

Mas mesmo compreendendo porque é que os americanos são como são, nunca me consegui habituar ao tom dos discursos dos candidatos da direita, ao orgulho com que se declaram criacionistas e condenam a astronomia e a mecânica quântica por contradizerem a Bíblia. Rick Perry não está a mentir quando diz que acredita que o mundo tem seis mil anos.

Muitas vezes pergunto-me por que razão não me choca saber das iniquidades do Santana Lopes e do Durão Barroso, e me incomodo tanto quando os administradores aqui da universidade se declaram criacionistas e desatam a rezar nas reuniões oficiais, nas tintas para a lei que separa a religião e o estado. Ou quando dão milhares de dólares a organizações sionistas, para elas transportarem colonos para Israel e adiantar o Armagedão.

Acho que a diferença é que eu acredito que como os ratos, Tony Blair, Sarkozy, Santana Lopes, ou Durão Barroso, entram nos esgotos para se empanturrarem, e que os políticos americanos acreditam mesmo que os trogloditas e os dinossáurios viviam juntos antes do Dilúvio.

Mas isto não são diferenças substanciais. As coisas que unem o Durão Barroso e o Rick Perry são mais do que as que os separam. Hoje li o ensaio do Umberto Eco "Costruire il nemico" e estava a pensar que a direita - aqui e na Europa - está no caminho certo para a crise económica e a guerra, deliberadamente, como se anuncia no panfleto anónimo dos anos sessenta que Eco cita.

Para quem acredita que a morte não é o fim (quando alguém morre aqui, diz-se "he passed away"), a guerra é uma solução fantástica para muitos problemas políticos, económicos e demográficos. Além das oportunidades de negócio que proporciona (como dizia a brochura da Halliburton quando Bush foi eleito).

Na semana passada Rick Perry - o governador do Texas com quem eu tenho de viver - disse que estava disposto a usar armas e tecnologia de guerra nos mexicanos que atravessam a fronteira para trabalhar nos EUA. Este discurso de desumanização dos "outros" e incitamento ao ódio é calculado e garante resultados eleitorais. O mesmo se pode dizer da direita europeia, que fala de Portugal e da Grécia (e da Espanha) de forma muito diferente do que fala da Islândia ou da Irlanda.

As minhas embirrações são só isso: embirrações. Acreditando em bruxas e profetas, ou em físicos, químicos, geólogos e astrónomos, os políticos europeus e os americanos trabalham para um pequeno grupo de oligarcas que, pelo menos por enquanto, manda no mundo, está acima da lei e acredita que está protegido das contingências da guerra.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mistérios da blogo-esfera

O blogue Companhia da Inteligência é feito por membros do SIS e/ou do SIED, ou pretende parecê-lo? E os seus escribas são todos anónimos porque um «agente secreto» não pode revelar a sua profissão, ou porque se querem passar por tal? Tendo em conta a fina ironia do nome escolhido, aposto mais na contra-informação: «inteligência» não é apanágio de pidezecos. Antes pelo contrário.

Troca de galhardetes a propósito do «caso» Figueira

O Renato Teixeira mete no mesmo título (e portanto, no mesmo saco) o Câmara Corporativa, a Jugular e o Esquerda Republicana. Na parte que me toca, sinto-me desvanecido com a distinção. Embora muito mais vetusto do que qualquer dos outros dois (esta é a minha humilde casinha desde Março de 2005), este pobre blogue, mesmo depois de colectivizado, nunca competiu em sitemeter com essas poderosas locomotivas blogosféricas.

Todavia, que fique registado que durante a era socrática se escreveu por aqui a favor e contra dessa «polarizante» criatura (o meu caso foi mais o segundo). Pessoalmente, sempre tentei apoiar o que merecia apoio e criticar o que idem.  O que nunca vi fazer-se neste blogue foi igualar Passos Coelho e Sócrates. É preciso estar num extremo muito afastado do bom senso para não ver as diferenças.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Nada de estranhar num membro do "Albergue Espanhol"

Via Câmara Corporativa:

António Figueira, o homem que dirige com mão de ferro o radical 5 Dias, parece ter sido comprado para o dream team de Miguel Relvas, ocupando a vaga de libero, até agora um lugar desguarnecido. Relvas já tinha ido ao mercado recrutar, entre muitos outros, um trinco à moda antiga (o Gonçalves) e um defesa direito muito prometedor (o Correia).

Ao fim e ao cabo nada de surpreendente num membro do Albergue Espanhol como é António Figueira, com António Nogueira Leite, Carlos Abreu Amorim e outros, não é? Se calhar este outro protegido de António Figueira também deveria ser. Talvez o Vidal ainda acabe neste governo!

O Alexandre Soares dos Santos que vá cortar bifes

Segundo o Hugo Mendes, tomei conhecimento da carta de resposta ao Daniel Oliveira da parte do grupo Jerónimo Martins, após o colunista do Expresso ter referido um valor para o salário médio dos empregados do Pingo Doce que, segundo percebi, afinal também tinha sido indicado por um sindicato.
A argumentação da Jerónimo Martins é curiosa:

Ora ainda não há muito tempo Alexandre Soares dos Santos garantia que se quisesse contratar um talhante português para o Pingo Doce não conseguia, e teria que recorrer a um imigrante, pois os portugueses não querem profissões pouco qualificadas. De acordo com a linha de raciocínio na resposta ao Daniel Oliveira, será que para fazer uma crítica dessas não era preciso ser (ou ter sido) talhante? Que moral tem Alexandre Soares dos Santos para criticar os portugueses, se ele mesmo não for capaz de dar o exemplo?

domingo, 21 de agosto de 2011

A guerra às drogas falhou

Continuamos a persistir no erro de encorajar o tráfico ilegal de drogas (através da ilegalização das mesmas) - com todas as implicações ao nível da violação das liberdades individuais, do aumento de mortes pela violência e criminalidade consequentes do contrabando, do desperdício de recursos do sistema de justiça, do sistema prisional, do sistema policial, e várias outras consequências desastrosas - apesar de termos sido pioneiros (e exemplares) em darmos um primeiro passo (descriminalizar o consumo) na direcção certa.

Vários dados sobre este assunto são apresentados nesta comunicação, que aconselho sem reservas:

sábado, 20 de agosto de 2011

Mineiros aprisionados

Com as sucessivas vitórias da direita nas duas últimas décadas no domínio económico, e a progressiva perda de poder dos sindicatos, as condições de grande parte dos trabalhos têm vindo a degradar-se.

Esta sátira do The Onion foca em particular as más condições de trabalho dos mineiros:





sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Porque é que Obama é um presidente falhado

A pretexto de um comentário de Fareed Zakaria, Cenk Uygur faz um bom resumo das razões pelas quais a estratégia de capitulação de Barack Obama só pode levar ao fracasso:

Como se manipula uma entrevista

Na imprensa, no rádio ou na televisão é possível adulterar o conteúdo por forma a conseguir pôr na boca no entrevistado palavras com sentido oposto aquelas que o mesmo quis transmitir.

Neste vídeo são expostas as técnicas, ilustradas com alguns exemplos inventados, e outros que aconteceram realmente. Aconselho vivamente:

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A guerra de classes segundo Warren Buffett

Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, assumiu em 2006 que "há guerra de classes, com certeza, mas é a minha classe, a classe rica, que está a fazer a guerra, e estamos a ganhá-la". Anteontem, voltou a recordar-nos que só paga 17% em impostos, enquanto os seus empregados pagam 33% ou 41%.

Esta desigualdade encerra parte do drama da era do capitalismo financeiro, pós-industrial. O tamanho imenso da fortuna de Buffett não se deve a nenhum poço de petróleo, patente inovadora, novo produto industrial, ou a criação directa de emprego. Limitou-se a investir, comprar por menos para vender por mais, transferir dinheiro daqui para acolá.

Registe-se que se era o homem mais rico do mundo em 2008, em 2011 será o terceiro porque, do alto dos seus 80 anos, começou a doar a sua fortuna à assistência social e à difusão da educação e do conhecimento, principalmente através da fundação de Bill Gates, outro hipermegamilionário.

Como diz Buffett, os sacrifícios não são repartidos: os ricos poderiam e deveriam pagar mais impostos.

Impõe-se taxar mais o capital e menos o trabalho. Passos Coelho pensa o contrário: engordou-nos a conta da electricidade, ao invés de cortar as pantagruélicas gorduras da banca. Na guerra de classes lusitana, os ricos continuam a ganhar. E raramente doam dinheiro para bolsas de estudo e investigação científica.

(A minha segunda crónica no i; ao contrário do que lá se afirma, não sou jornalista.)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Revista de imprensa (15/8/2011)

  • «Our leaders have asked for “shared sacrifice.” But when they did the asking, they spared me. I checked with my mega-rich friends to learn what pain they were expecting. They, too, were left untouched.

    While the poor and middle class fight for us in Afghanistan, and while most Americans struggle to make ends meet, we mega-rich continue to get our extraordinary tax breaks. Some of us are investment managers who earn billions from our daily labors but are allowed to classify our income as “carried interest,” thereby getting a bargain 15 percent tax rate. Others own stock index futures for 10 minutes and have 60 percent of their gain taxed at 15 percent, as if they’d been long-term investors.

    These and other blessings are showered upon us by legislators in Washington who feel compelled to protect us, much as if we were spotted owls or some other endangered species. It’s nice to have friends in high places. (...) If you make money with money, as some of my super-rich friends do, your percentage may be a bit lower than mine. But if you earn money from a job, your percentage will surely exceed mine — most likely by a lot.» (Warren Buffett é o terceiro homem mais rico do mundo.)

Revista de blogues (15/8/2011)

  • «Não se podem apurar responsabilidades pela leitura de uma notícia. Também não faz sentido considerar que um mau volante indica falta de capacidade para a condução dos trabalhos no parlamento. Mas, nesta paz podre que vivemos há tanto tempo, ninguém confia que a segunda figura do estado venha a sofrer qualquer consequência por este "azar" de trânsito. 

    Existem outras democracias onde a senhora se sentiria forçada a demitir-se imediatamente numa situação semelhante. Porque ali nada é mais importante que os representantes mostrarem que agem de acordo com as regras que impõem aos seus representados. Mesmo que isso implique algum exagero ou injustiça pessoal. 

    Dirão que há muito pior. Pois há. E que a senhora está acima de muitos dos seus pares. Estará, com certeza. Seriam completamente cretinas e ofensivas quaisquer comparações com Alberto Jardim ou Isaltino Morais (a lista seria interminável, que me perdoem os ausentes). Mas, lá está, precisamente por tudo isso. Porque é melhor que eles, porque era preciso mostrar que a "festa" acabou. 

    Sabemos que governo é jovem e o sentimento geral é que o país precisa mais de dinheiro e emprego e menos de virtudes - um luxo por enquanto inacessível. São estes os pesos e as medidas com que definimos a nossa sociedade. Depois não se admirem.» (Dorean Paxorales)

A banalização do mal

O jornalista do Público Paulo Moura escreve umas crónicas sobre as ilhas da costa do Algarve, as suas curiosidades e tal, as conchas e o resto que é apropriado para uma revista de jornal nesta altura do ano. Lá pelo meio, enxerta isto, à descarada: «Em Angola, o então jovem alferes Fernando Robles assistiu aos massacres perpetrados pela UPA de Holden Roberto, que marcaram o início da guerra colonial. Acirrado pelas abominações que presenciou, tornou-se num combatente feroz a favor das forças coloniais. Conhecido como o “mata-pretos”, integrado nas forças de Caçadores Especiais e seguindo uma filosofia de “olho por olho, dente por dente”, chefiou algumas das campanhas mais sangrentas de toda a guerra».

Deve estar tudo muito distraído por ser Verão, mas falar desta forma descontraída e descontextualizada (leia-se o resto do artigo), de um tipo que deve carregar na consciência(?) um número de baixas civis comparável ao de Anders Breivik, ou é militância fascista ou estupidez pura. O senhor Paulo Moura transformou um facínora conhecido por massacrar civis num simpático reformado que come atum em lata. Espero bem nunca conhecer o senhor Moura. Questão de higiene.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Pertencer à mesma equipa



Em "To the Castle and Back", Vaclav Havel critica uma despropositada carga da polícia checa sobre jovens manifestantes, num episódio ocorrido já depois do fim da era comunista. Havel lamenta-se que aquela intervenção teve como principal resultado cavar um fosso entre o estado e os jovens, separando-os, fazendo com que uns e outros não sintam que pertencem à mesma equipa.

Conheço mal Londres, mas quando estive em Birmingham foi para mim muito claro que os seus habitantes já não pertenciam à mesma equipa. Já havia gente de costas voltadas, havia o nós e os outros, a fazer lembrar o divórcio entre as cités e a sociedade francesa. A diferença é que em França os guetos foram criados por decreto no tempo de Pompidou e no Reino Unido foi a mão invisível que foi empurrando gente desempregada, gente em situação precária, com os mesmos problemas, para os mesmos bairros.

Depois acabar com os bairros da lata, o próximo passo da Europa deverá ser acabar com os guetos. Misturar ricos e pobres, cultos e menos escolarizados, imigrantes e autóctones, fazer-lhes sentir que as cidades pertencem a todos e que são um espaço de partilha.

O fim de uma certa ideia de Europa

Há uns vinte anos atrás, prometeram-nos que a União Europeia do futuro seria um espaço em que poderíamos procurar emprego sem entraves nem restrições de maior, dos Açores ao leste europeu. Não seria apenas a Europa do BCE, mas também a Europa dos trabalhadores. Era a famosa «liberdade de circulação» (que, aliás, nunca foi total mas sempre limitada a europeus, como o demonstram as centenas de mortos anuais à porta da Fortaleza Europa). Em 2011, no meio da maior crise do euro, com a qual o BCE não consegue lidar, a «liberdade de circulação» dá sinais de recuar significativamente: depois de a Dinamarca ter restabelecido o controlo das suas fronteiras, a Espanha fecha a porta aos romenos. Com a autorização de Bruxelas. É uma certa ideia de Europa que morre.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Até aqui, tudo bem

"Jusqu''ici, tout va bien", diz uma personagem de um filme de Mathieu Kassovitz ("La Haine", 1995), em queda algures entre o vigésimo e o décimo andar.

Assim está a Europa, neste Verão frio de 2011: a bancarrota ameaça alguns países "periféricos", os países "centrais" não sabem o que fazer, os juros disparam, as dívidas agigantam-se, as taxas de desemprego batem recordes, as agências de notação dão mais uns empurrões para baixo, ninguém prevê o que se seguirá, mas todos parecem repetir o "até aqui, tudo bem". Na imponderabilidade da queda, não tememos nenhum mal: o ar está límpido e cair, só por si, não magoa.

Merkel, Sarkozy, Obama, Trichet, Barroso e Coelho telefonam-se mas não sabem como parar a queda. Ou não querem. Até agora, nenhum perdeu o posto. Para eles também é "até aqui, tudo bem".

Entretanto, até a pacata Londres está a arder. Como Paris em 2005. O lumpen que saqueia lojas e o financeiro que aumenta o caos financeiro com o clique de um rato partilham a mesma indiferença pelo amanhã: nenhum se preocupa com as consequências. Mas em Londres a queda terminou. Por enquanto.

No filme de Kassovitz, justamente sobre jovens frustrados dos subúrbios de uma metrópole europeia, a lição era mesmo essa: só se conhece as consequências da queda quando se chega ao chão. Em que andar vamos?

(Esta foi a minha primeira crónica no i; a partir de hoje, escreverei todas as quartas-feiras.)

Os motins no Reino Unido - uma análise decente

Uma questão ao Sérgio Lavos

Ficámos a saber que "esta" não é a revolução do Sérgio. Muito bem; também não é a minha. Pergunto de boa fé e sem malícia ao Sérgio: qual é a revolução dele? Será que tal revolução existe? Nos tempos que correm temos que decidir esta questão: quando a revolução chegar, temos que saber de que lado estamos. E pelo que se vê em diferentes países (a Inglaterra é só o mais recente exemplo) este dia está a chegar. Sérgio: existe "a" revolução ou não? Da minha parte não sei responder a tal pergunta, mas sei que, se existir, não é "o povo" sozinho, espontaneamente, que a faz.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A verdade acerca da Economia, nos EUA

E por cá há muitas semelhanças...

Eis um problema que a administração Obama, contrariando (traindo!) as espectativas dos seus eleitores, tem vindo a agravar:



O défice democrático na União Europeia

Um texto que recomendo vivamente, e do qual cito uma pequena parte:

«O processo de reforço de poderes do Parlamento Europeu, a que temos vindo a assistir no quadro das conferências intergovernamentais que introduziram sucessivas alterações aos tratados institutivos das Comunidades Europeias, tem por objectivo a superação do chamado défice democrático comunitário. Défice democrático derivado do facto de, alegadamente, à instituição comunitária investida de maior legitimidade política democrática não corresponderem as funções que deveriam competir a um órgão cujo mandato resulta da eleição por sufrágio directo e universal.

[...]

Na União Europeia não existe esta possibilidade real de a opinião pública manifestar o seu dissídio quanto ao modo de exercício da função governativa. Apesar da realização de eleições por sufrágio directo e universal, o facto é que o sentido dominante dos seus resultados em nada determina ou influencia a formação do executivo comunitário.»



domingo, 7 de agosto de 2011

Já lhe perguntaram se quer ser "governanta"?

Assisti este fim de semana à entrevista de Pilar del Río e Miguel Gonçalves Mendes no "Cinco Para a Meia Noite". Veio à baila a questão da "presidenta" e não "a presidente". Pilar del Río, tal como no (excelente) documentário realizado por Gonçalves Mendes, defendeu tal vocábulo, dizendo que se tratava não de uma questão filológica mas ideológica (feminista, neste caso). Gostei do argumento: eu gosto de argumentos ideológicos, e aliás a minha defesa do acordo ortográfico da língua portuguesa também é ideológica. Mas defender um acordo ortográfico e a introdução de vocábulos como "presidenta" são questões bem diferentes. "Quem disser que "presidenta" não existe é néscio!", berra Pilar no documentário a certa altura. A meu ver, perfeitamente néscio é quem defende que, por suprimirmos uns c's e uns p's que não pronunciamos, passamos a "falar brasileiro", com os mesmos vocábulos e, já agora, com o mesmo sotaque (eu já vi muita gente a escrever isso, e assisti a Miguel Sousa Tavares a defendê-lo na TV brasileira). Já a introdução de vocábulos como "presidenta" corresponde a uma efetiva espanholização da língua. Não digo que isso seja mau, mas é o que é. No caso de "presidenta", é totalmente desnecessário. Pilar del Río é que nem deve dar por tal espanholização: na entrevista, um minuto depois do "presidenta", diz que está "muito contenta". Haviam de lhe perguntar se ela gostava de ser conhecida como a "governanta" da Fundação Saramago!

PS: Quanto ao "Cinco Para a Meia Noite": que saudades do Alvim e da Filomena Cautela!

sábado, 6 de agosto de 2011

Petição Nomes das novas freguesias de Lisboa

Eu assinei a seguinte petição, e pode ser que o leitor também a queira subscrever:

«A Câmara Municipal de Lisboa tomou a decisão de condensar as mais de cinquenta freguesias de Lisboa e de as reorganizar num mapa de 24 freguesias, atribuindo a estas novas competências e responsabilidades. Os signatários desta petição não discutem a bondade dessa opção, mas vêm através deste meio protestar contra a escolha anunciada dos nomes das novas freguesias. Em vários casos estes nomes não são adequados historicamente ou, nos casos em que a utilização de um nome consagrado pelo uso não foi possível, os novos nomes (Santa Maria Maior para Baixa, Alfama e Castelo; Santo António para a zona em torno da Avenida da Liberdade; Misericórdia para o Chiado, Bairro Alto e Bica) revelam uma escolha pouco imaginativa, repetitiva e tendenciosa.

Somos da opinião de que o processo de escolha destes nomes não foi suficientemente amplo, participado, aberto e transparente.

Defendemos que esta escolha de nomes não está à altura de uma cidade com uma história toponímica tão rica, um presente laico, e um futuro que desejamos inclusivo, criativo e aberto.

Apelamos à Câmara Municipal de Lisboa para que abra uma discussão em novos moldes para a escolha dos nomes das freguesias da cidade, recolhendo novas ideias, debatendo e decidindo de forma consentânea com os valores democráticos, e aproveitando a ocasião para divulgar a história da Lisboa junto de todas as gerações (por exemplo, envolvendo as escolas no processo) e para criar mais laços entre os lisboetas e a governação da sua cidade.»

Vale também a pena ler o texto do Rui Tavares sobre este assunto.

O começo de António José Seguro

Apesar do meu assumido ceticismo, há que admitir que António José Seguro começou bem como líder eleito do PS, ao adiantar que o partido não viabilizará a revisão constitucional que a direita queria. Com o governo provavelmente mais à direita de sempre (economicamente mais à direita que Marcelo Caetano, pelo menos), a única garantia de preservação de um mínimo de Estado Social é a Constituição. É bom que o PS reconheça isto. Não sei se Sócrates ou Assis o reconheceriam desta maneira.
Apesar de tudo, continuo a achar que Seguro é um líder transitório que nunca chegará a primeiro ministro. Vamos ver se tenho razão ou não...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A venda do BPN e outras implicações

Fiquei espantado quando soube que uma proposta de compra do BPN por 106,4 milhões de euros (pela NEI) havia sido preterida em favor de uma que totalizava 40 milhões (pelo BIC). Acrescente-se que a proposta do BIC envolve a possibilidade de despedir metade dos funcionários sendo o estado a pagar as indemnizações, num valor que pode chegar aos 25 milhões de euros, excluindo os encargos adicionais do estado devido às prestações sociais com o desemprego acrescido; coisa que não ocorre na proposta da NEI.

A minha primeira reacção foi perguntar porquê: «Independentemente das reais intenções associadas a esta decisão, o que é que o governo alega para justificar o abdicar de 60 milhões de euros, bem como os despedimentos adicionais que irão ocorrer?»

Ao conhecer a resposta, resta-me a indignação. Alega-se que as condições e garantias de pagamento são piores no caso da NEI.

Veja-se bem: a NEI oferece mais de 5 milhões à cabeça, e o BIC 8 milhões. O governo alega preferir abdicar de uma proposta que é superior em 60 milhões, a que podem acrescer 25, para garantir os três milhões adicionais?
É preferível receber possivelmente tão pouco como 15 milhões (40-25), alegando que quem propõe 106 milhões pode levar o negócio à falência entretanto?

É evidente que só imaginando que a probabilidade do BIC levar o negócio à falência é quase nula, e que a probabilidade da NEI levar o negócio à falência é quase certa (superior a 95%), é que tal decisão faria sentido. Mas se a probabilidade da NEI levar o negócio à falência é tão elevada, porque haveriam de querer deitar 5 milhões para o lixo?

Isto não é uma justificação séria: é um indício gritante de má fé. De má gestão do património público.
E se é suspeito o negócio, a falta de transparência associada ao mesmo não me deixa nada descansado.

Muitos dirão que face aos vários milhares de euros perdidos em todo o processo associado ao BPN, estes 60-85 milhões perdidos neste negócio são trocos.
Mas não: trocos são as viagens em económica, ou as poupanças propostas quando se fala em reduzir o número de deputados. Isto são milhões.

Ainda assim é verdade que 60 ou 85 milhões é um número muito inferior a 2400 milhões. Mas há duas questões a considerar:

1- A nacionalização dos BPN pode ter sido uma asneira maior, mas esta é uma asneira mais inequívoca. Em retrospectiva parece ser evidente que a nacionalização não deu bom resultado, mas antes dela ocorrer grande parte dos partidos, dos políticos e dos cidadãos consideravam-na aceitável, pois não adivinhavam estas consequências. Não se compare a complexidade de estimar as consequências prováveis de deixar o BPN falir, e estimar as consequências prováveis de nacionalizá-lo, comparando-as; com a «complexidade» de avaliar qual das propostas é mais favorável, se uma de 40 milhões (menos um valor até 25 milhões e mais uma série de despedimentos), que oferece 8 de imediato, se uma de 106 milhões que oferece 5 milhões de imediato.

2- O probema aqui não são só os 60-85 milhões, e despedimentos associados. Neste sentido, a justificação dada é um problema quase tão sério como a decisão em si.
Se são usados estes critérios descabidos e arbitrários para justificar uma decisão tão absurda, e eles são aceites como válidos, o que é que impede a tomada de outras decisões igualmente lesivas para os cofres públicos amanhã?
Quantas decisões, a todos os níveis da administração pública, poderão ser tão mais danosas para o nosso património, se as pessoas considerarem aceitáveis este tipo de justificações?
«Sim, eu encomendei essa fotocopiadora de pior qualidade pelo triplo do preço, mas não é por manter uma boa relação com o vendedor, é porque temia que a outra fabricante pudesse ir à falência até à data de entrega. Nunca se sabe...»

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Desastre em toda a linha

Uma pessoa pergunta-se até que ponto é que é incompetência, e até que ponto existe alguma desonestidade.
Assumindo que Obama tem estado sempre de boa fé, ele não estará longe de ser o pior negociador de todos os tempos. O mais recente acordo é um desastre que agravará o desemprego nos EUA, enquanto piora significativamente as injustiças sociais.

Por outro lado, mais gente acorda para a realidade: Obama traiu e continuará a trair todos aqueles que nele votaram, numa tentativa desesperada e infrutífera de agradar aos que lutaram contra a sua eleição.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Petição Solidariedade com a Noruega

Eu assinei a seguinte petição, e encorajo o leitor a assinar, caso subscreva a mensagem:

«Acompanhámos, num misto de choque, fúria e profunda tristeza, o horror que aconteceu em Oslo e Utoya no dia 22 de Julho. Antes de mais, pensamos, obviamente, nas vítimas, famílias, amigos e camaradas. Aceitem as nossas mais sentidas condolências e solidariedade.

Enquanto activistas de diferentes movimentos sociais e políticos portugueses, estendemos as nossas condolências à Liga dos Jovens Trabalhistas e também ao povo norueguês. E ainda a todos aqueles que, como nós, na Europa e no resto do mundo, compreendem a ameaça representada por ideologias racistas, xenófobas e fascistas, sobretudo quando encontram eco nos discursos e crenças políticas que nos entram pelas casas dentro todos os dias.

Quando se vota no ódio e na exclusão, quando líderes políticos põem em causa os valores do multiculturalismo, quando as minorias são transformadas em bodes expiatórios para os erros de sistemas políticos que promovem a exclusão e a discriminação, o ódio passa a ser aceite na política. E as armas precisarão sempre do ódio como munição.

Podia ter sido qualquer um de nós. Por isso, a maior homenagem que podemos prestar a todos os que morreram, ficaram feridos ou perderam entes queridos é o nosso compromisso com a luta pelo respeito, diversidade, justiça e paz e por uma sociedade verdadeiramente democrática e inclusiva. Responderemos com mais democracia.»

As seguintes associações também subscreveram a petição: Artigo 21.º * Associação 25 de Abril * Associação Abril * Associação República e Laicidade * ATTAC Portugal * Bloco de Esquerda * Convergência e Alternativa * Crioulidades - Arte e Cultura na Diáspora * Fartos/as d'Estes Recibos Verdes * M12M * Movimento Escola Pública * Não Apaguem a Memória * Opus Gay * Panteras Rosa * PES Portugal * Portugal Uncut * Precários Inflexíveis * Rainbow Rose Portugal * Renovação Comunista * Sindicato dos Professores da Grande Lisboa * União de Mulheres Alternativa e Resistência * Vidas Alternativas

Alguém consegue explicar isto?

De acordo com o Sérgio Lavos, no Arrastão:

«Havia quatro potenciais compradores do BPN. O governo PSD/CDS, através de uma Caixa Geral de Depósitos recheada de novos boys dos dois partidos, quer negociá-lo em regime de exclusividade com o BIC, cujo presidente é Mira Amaral, antigo ministro de um dos clientes mais famosos do BPN, Cavaco Silva. Para além dos 40 milhões que o BIC afirma ir pagar, metade dos funcionários irão ser despedidos. Entretanto, um dos compradores que foram preteridos, o NEI, vem dizer que nunca fez uma oferta que fosse inferior a 100 milhões de euros (sim, 60 milhões mais do que é proposto pelo BIC), e que a proposta seria sempre vantajosa para os trabalhadores. Excluído à partida, este grupo de investidores vem falar agora de uma luta de David contra Golias. Julgo que ninguém poderá ter dúvidas sobre a natureza deste negócio.»

Independentemente das reais intenções associadas a esta decisão, o que é que o governo alega para justificar o abdicar de 60 milhões de euros, bem como os despedimentos adicionais que irão ocorrer?
Procurei, mas não consigo encontrar qualquer tipo de justificação.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Houellebecq, Beigbeder e Angot

Michel Houellebecq, Frédéric Beigbeder e Christine Angot cruzam-se nos livros um dos outros em registos autoficcionais com estilos muito diversos. Raramente são simpáticos uns com os outros. Ao ler "La carte et le territoire", o prémio Goncourt de 2011 constatei que involuntariamente os três escritores formam uma cadeia literária viva que caracteriza uma certa Paris e uma certa França actuais. Os três escritores conseguem encaixar a aparente futilidade e banalidade dos gestos e dos hábitos quotidianos numa escrita inteligente, mas sem super-heróis. Beigbeder é um barómetro das discotecas e da vida mundana, Angot descreve-nos a suas idas ao quiosque e Houellebecq não hesita em partilhar os suas aventuras através de estradas bordejadas das distracções modernas.

Tal como refere o José Mário Silva numa das últimas edições da revista Ler, falta na literatura portuguesa quem se atreva a descrever as vivências do quotidiano, os cafés que frequentam, os jornais que lêem ou fazendo saltar para o meio das páginas personagens reais com quem se cruza no autocarro e na farmácia. Falta sobretudo um Beigbeder. Não é por isso de estranhar que este autor (tal como Angot) não tenham obra publicada em Portugal.