quinta-feira, 6 de março de 2008

Raúl Proença no final da República

  • «Todos nós sabemos como a revolução de 18 de Abril foi precedida de dois actos violentos, que não eram mais do que os sintomas dum estado revolucionário latente e os pródromos ameaçadores duma luta à mão armada. Um desses actos foi a hostilidade declarada do partido nacionalista contra o actual parlamento, abandonando o Congresso e permitindo-se invectivar o Presidente da República por o não ter chamado a constituir governo após a queda do Gabinete José Domingues dos Santos. O outro foi a campanha tendenciosa da União dos Interesses Económicos, que, pela pena do director de O Século, preparou uma atmosfera revolucionária puramente artificial, e à custa dos mais miseráveis sofismas e da ausência duma imprensa que a defrontasse e a esmagasse, pretendeu convencer a nação de que os radicais queriam estabelecer entre nós o regime bolchevista e deixar impunes os assaltos da Legião Vermelha.
  • (...) Em nome de quê? Em nome da ordem ameaçada. Quis-se fazer crer que entre os dois extremos antagónicos - bolchevismo e oligarquia - não eram possíveis termos intermédios; quem quisesse meter a finança na ordem ipso facto se pronunciava pelo bolchevismo. Eis o primeiro sofisma. Mas isto não bastava. Era preciso um facto concreto, que espalhasse o terror nos espíritos, e então surgiu a Legião Vermelha, corporação de criminosos comuns, sabe-se lá a soldo de que miseráveis interesses de partidos, e fácil foi aos homens de O Século convencer os seus leitores de que essa malta de facínoras era tolerada pelo Estado republicano. Eis o segundo sofisma.
  • (...) Como é triste a gente olhar para toda a parte e não ver ninguém, ninguém, ninguém! Apenas os dirigentes operários (de ordinário tão estreitos e facciosos) tomaram nesta emergência uma atitude que os honra, e que seria uma lição, se neste país houvesse gente com cabeça para aprender. Em face da ameaça das direitas sem programa e com os apoios que se conhecem, o operariado compreendeu que é do seu próprio interesse não exigir medidas catastróficas, e é o primeiro a propor uma plataforma e um programa mínimo perfeitamente exequíveis. Diante do perigo eminente, abate as suas bandeiras. Nesta hora duvidosa em que tantos parecem querer enjeitar a solidariedade para com os operários, eu saúdo-os como a única força que soube manter-se firme e digna, como os únicos que se mostraram dispostos a compreender e a transigir.» (Raúl Proença, Seara Nova nºs 45/46, Maio de 1925)
Imprensa demagógica que apoia federações patronais (ou «Compromissos Portugais»), dicotomias forçadas entre extremismos, e um pouco de violência para acicatar: a receita é sempre a mesma quando se quer preparar um golpe de Estado das direitas.

5 comentários:

  1. Viva o Afonso Costa!
    Vivam os democráticos!

    ResponderEliminar
  2. Excelente.

    Julgo que desde os anos 30 que a direita não tem tanta força como hoje, nem um controlo tão apertado dos media.

    Portugal já é um país tão desigual que eu acho que não precisa de golpes de estado de direita. Mas em todo o caso, a direita é tão odiosa que o risco está aí, só por sede de vingança.

    ResponderEliminar
  3. O que leva a questão de saber-se onde paira a esquerda que supostamente se oporia à direita que quer criar dicotomias entre extremismos...

    Ahhh... já sei... está no governo, atacar professores propondo estatutos da carreira docente idiotas, regras de avaliação ainda mais idiotas, pais a intervirem na gestão das escolas, alunos a passarem pelos anos todos sem chumbarem...
    intermeado com fechos de centros de saúde e hospitais , privatizações encapotadas de outros sectores, desregulamentações umas atrás das outras, ataques à concorrência eliminando concorrentes comerciais como se vê na área das telecomunicações, etc...

    Ou seja: quem é a esquerda hoje?

    O actual partido do governo certamente que não é. Uma vez que tem feito tudo o que está o seu alcance para retirar algumas das últimas protecções que restam dentro do sistema, e paralelamente não reforma o obsoleto sistema que temos em termos político-Adm.

    Se este post, bem metido por sinal, significa apontar para que os professores devam ceder, e fazer o papel dos operários explicado no texto, discordo.

    As circunstâncias apesar de tudo não são exactamente iguais, agora.

    Quanto ao Filipe Castro tem razão.
    A direita não tem tanta força como hoje, precisamente porque o PS ,de facto, é um partido de direita.

    São absolutamente incapazes de governar e definir um programa político que passe por por na ordem os interesses de direita.

    Mas gritam e batem bem na população mais fraca que não se pode defender.
    É uma proto esquerda dual.

    Quanto na oposição grita pelas conquistas do 25 de Abril e pela liberdade e mais não sei quê.

    Chega ao poder e aumenta as custas judiciais, para atacar os ricos e beneficiar os pobres( isto é ironia), privatiza mais umas coisas, aumenta exponencialmente mais uns impostos, e chega ao final do 3ºano de governo absolutamente esvaziada de ideias.

    O que não é difícil porque no PS só existem duas, a saber:
    A)chegar ao poder e manter-se lá o maior período doe tempo possível;
    b) dar graças a Deus por não serem do PCP.

    Com um programa político tão elaborado e complexo como este é natural que os resultados do vazio sejam isso mesmo: vazios.

    Daqui vão para onde?

    ResponderEliminar
  4. «Se este post, bem metido por sinal, significa apontar para que os professores devam ceder, e fazer o papel dos operários explicado no texto, discordo.»

    Não significa. E os operários manifestaram-se disponíveis para um compromisso a seguir a uma tentativa de golpe de Estado de extrema direita. E quando se previa que haveria outras, como houve logo no ano seguinte (1926).

    ResponderEliminar
  5. R. Alves.
    Ainda bem que não significa.

    ResponderEliminar

As mensagens puramente insultuosas, publicitárias, em calão ou que impeçam um debate construtivo poderão ser apagadas.